Bandeiras

Quem me conhece deve já ter uma idéia de que eu tenho sempre um monte de idéias, poucas das quais eu de verdade ponho em prática. Eu tendo a ser o cara sonhador. Quem acredita nas astrologias diria que isso é porque eu sou sagitariano. Eu, que não acredito, tenho que aceitar que pelo menos o estereótipo combina bem com a minha personalidade.

Por causa de uma das minhas idéias de ultimamente, me interessei um pouco por símbolos. Eu gosto de pensar que símbolos têm o poder de incutir nas mentes das pessoas a crença em “sonhos” (esperanças, desejos, interesses, idéias) em que elas não creriam se eles não estivessem lá. Eles parecem criar identidades, e, ao mesmo tempo, criar oposições entre grupos, e às vezes têm tanto poder que tornam as pessoas irracionais e dispostas à barbárie. Um exemplo simples é a foice-e-o-martelo, que levou milhões de pessoas à morte em nome de um ideal de “igualdade” que nunca foi alcançado. A suástica seria o exemplo do extremo oposto (a qual, sinistramente, não conseguiu alcançar o número de mortes da foice-e-o-martelo, tamanho o seu poder de destruição).

Às vezes, o objetivo de alguns símbolos é passar sinais que só significam algo para uma certa população. O exemplo óbvio é o dos maçons, com suas assinaturas e seus apertos de mão (que eu nem sei se são verdade ou se são só coisa que as pessoas dizem); mas eles não são os únicos. Por exemplo, viados nos EUA em São Francisco nos anos 70 (e ainda hoje, aparentemente… não sei) usavam lenços de certas cores no bolso, os quais indicavam as preferências sexuais do usuário. No caso, a idéia era comunicar sem ser compreendido por todo mundo: quem tava nessa população compreendia o que era pra compreender; quem não tava não fazia idéia do que tava ocorrendo. (outro exemplo clássico é o do brinco na orelha direita, que significava “viado” – e que acho que estigmatizou o brinco pra homens durante muito tempo.) Eu mesmo, hoje em dia, ainda que todos saibam da minha viadagem, frequentemente uso uma pulseira (tecida por uma amiga) com as cores do arco-íris: todo viado percebe de cara, e todo não-viado nem nota. O objetivo é tornar mais fácil levantar o assunto (pra eu poder deixar claro que sim, é o caso, sou viado): normalmente eu sou o tipo de pessoa cuja viadagem causa surpresa, e isso é meio frustrante (eu posso falar mais sobre o porquê de ser frustrante em uma outra postagem; esse não é o objetivo dessa aqui).

Outras vezes, porém, o objetivo do símbolo é que ele seja reconhecido imediatamente. As bandeiras me parecem o exemplo-mor desse tipo de coisa. Tão logo eu veja um verde, vermelho e amarelo (nessa ordem, mas às vezes inclusive fora dela), eu imediatamente penso no Rio Grande do Sul. Fim de semana passada estive em Bérgamo pra visitar uma amiga que estava por lá. Quando caminhando, me deparei com a seguinte cabine telefônica:

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Tive que tirar uma foto. É quase como se me estivesse mandando pensar no Rio Grande.

No caso, a minha idéia é fazer uma bandeira. Pra que e por que será explicado numa postagem posterior. Mas por agora quero falar do que descobri até agora. O nome da “ciência” (entre aspas porque eu não faço idéia de se existe algum estudo empírico sobre o assunto) que estuda bandeiras é Vexilologia, e, muito ligada a ela está a “arte” de criação de bandeiras, a Vexilografia. Eu escutei pela primeira vez sobre o assunto na seguinte palestra do TED, há alguns anos:

Na palestra, esse cara fala de um conjunto de “regras” da Vexilografia, que são usadas pra construir bandeiras “boas”. As cinco regras eram as seguintes (traduzindo do video):

  1. A bandeira tem de ser simples
  2. Use um simbolismo que tenha significado
  3. Use 2 ou 3 cores básicas (vermelho, branco, preto, amarelo, azul, …)
  4. Não use letras ou selos [ou brasões]
  5. Seja distintivo (ou seja relacionado)

De lá pra cá, eu sempre tive na cabeça sobre como os três X de Amsterdão são populares na cidade. A gente os vê em todo lugar, nas paredes, nas lojas, etc. Algo similar, de fato, ocorre com a bandeira do RS. Note-se: a bandeira sim contém um brasão; mas ele não tem importância, não é normalmente usado. O que importam são as cores. Dá uma olhada nas seguintes imagens (que eu aleatoriamente achei na internet, e explicam o que eu quero dizer):

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Assim, ainda que a bandeira tenha um brasão (que, diga-se de passagem, contém a bandeira dentro dele próprio), a bandeira é, como o Roman Mars sugere na palestra dele, “fácil de desenhar pra uma criança de 5 anos”.

Esse é também o caso do Brasil: a bandeira tem a idéia genial de representar o céu do Rio de Janeiro – então capital do Brasil – no dia da proclamação da república, mas tanto o lema positivista (Ordem e Progresso) quanto as estrelas são detalhes, e o que importa quando a gente desenha a bandeira é mesmo o verde, o amarelo e o azul (e o risquinho branco no meio).

Sobre o número de cores

Como se pode ver no caso brasileiro, existem sim bandeiras boas que contém mais de 2 ou 3 cores (a do Brasil tem 4). Por exemplo, a bandeira da Antígua e Barbuda tem 5 (o nome desse triângulo que corta a bandeira é “Chevron”, como o nome do carro – por isso que o logo deles, creio eu, é justamente um negócio triangular):

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A Guiana também tem cinco cores:

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E também a África do Sul:

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Muitas outras bandeiras boas têm quatro, como é o caso da Índia, da Jordânia, do Kiribati e do Lesotho:

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Uma outra coisa que eu aprendi desse video tem mais a ver com Heráldica (que é o estudo o estudo de brasões) do que com bandeiras, mas aparentemente é útil saber. Se eu entendi a idéia bem, as cores branca e amarela representam metais, e as outras cores são simplesmente cores. Aí, a idéia é que não se deve (ou, pelo menos, a heráldica inglesa sugere que se evite) pôr cor sobre cor sem uma separação por metais. Por isso é que aquele branco e amarelo nas bandeiras da Guiana e da África do Sul parecem tão agradáveis.

Brasões e imagens complicadas

Uma coisa importante a se comentar é sobre o uso de imagens complicadas. Como já mencionado anteriormente, o uso de brasões em geral é desencorajado, porque torna o desenho da bandeira complicado. A bandeira do Haiti é um exemplo do que não se deve fazer: (Quase parece que alguém simplemente pôs uma imagem .png centralizada sobre uma bandeira azul e vermelha.)

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Mas também é verdade que várias bandeiras com brasão nem são lá tão terríveis. Por exemplo, bandeiras como a do Equador e da Bolívia (que também incluem um brasão recursivo com a própria bandeira),

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ou as bandeiras do México e da Espanha

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contém brasões interessantes que as tornam facilmente reconhecíveis, ainda que complicados. A minha opinião é de que o brasão é irrelevante o suficiente pra fazer com que o importante seja somente que tem uma imagem no centro (apesar de que, bem, especialmente no caso equatoriano, fica difícil diferenciar da Venezuela e da Colômbia quando a bandeira não tá voando ao vento).

Por outro lado, existem casos em que a bandeira tem um desenho, e o desenho é bem menos complicado que o de um brasão. Nesses casos, o desenho, ainda que complicado, parece funcionar como um símbolo que identifica o país independente das cores da bandeira. O símbolo pode, daí, até ser usado sozinho, sem a necessidade de que as cores da bandeira estejam presentes. Por exemplo, olha o que é a bandeira de Portugal ou a do Irão:

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E a mesma coisa de pode dizer da Índia (acima), da Angola, da Albânia…

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… da Argentina, do Uruguai…

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… de Hong Kong e do Kirguistão.

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Características freqüentes

Tem só mais uma coisa que eu queria comentar. Tem várias características que são comuns em muitas bandeiras que, por justamente serem comuns, ganharam certos nomes. Por exemplo, países escandinavos tendem a usar a Cruz Nórdica em suas bandeiras (ainda assim, no link tem vários exemplos de bandeiras com a Cruz Nórdica em outros lugares do mundo, inclusive vários no Brasil), o que originalmente era uma menção ao Cristianismo. E.g., a bandeira a seguir é a da Noruega:

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Da mesma forma, países do sul frequentemente incluem o Cruzeiro do Sul como uma referência ao próprio sul. Os exemplos óbvios aqui são o Brasil e a Austrália:

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Aquela mini-bandeira do Reino Unido na bandeira da Austrália é chamada de “Insígnia Britânica”, e aparece em um monte de outras bandeiras. O exemplo mais óbvio além da australiana é a da Nova Zelândia:

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De fato, muitas bandeiras têm alguma coisa naquele cantinho onde a Insígnia Britânica normalmente fica. Aquele lugar é normalmente chamado de “Cantão”, e os primeiros exemplos que me vêm à mente são a Grécia, os EUA e o Chile:

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Uma barra horizontal maior no centro da bandeira é frequentemente chamada de “Faixa Espanhola”, e aparece em várias bandeiras do mundo, como a da Espanha (ali emcima) ou a do Líbano (que é pra mim um exemplo bem legal):

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E, é claro, tem o causo oposto, que é uma faixa vertical no centro, a qual é normalmente chamada de “Pala Canadiana” (claramente, esse nome foi uma tradução de Portugal – os portugueses chamam os canadenses de canadianos lol). Ela aparece (obviamente) na bandeira do Canadá (e em várias bandeiras de regiões do Canadá)…

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… mas também aparece em alguns (poucos) outros lugares, como a bandeira de São Vicente e Granadinas:

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Finalmente, bandeiras contendo três cores são chamadas de “tricolores” (dããã); e bandeiras contendo três faixas são chamadas de “tribanda”.

Para saber mais

Bom… era isso o que eu tinha pra dizer. Nessa busca por conhecimentos sobre bandeiras, foi bastante interessante buscar inspiração nas bandeiras boas que já existem, sejam elas de países ou não. Um tempo atrás, parece que houve gente querendo trocar a bandeira da Austrália, e eu fiquei abismado com como a bandeira que “ganhou” (chamada de Southern Horizon) evoca os símbolos brasileiros:

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Pra quem queira saber mais sobre bandeiras, esse “desenhador de bandeiras” foi bastante útil pra ver várias das já existentes. Um lugar onde dá pra buscar mais informações é o site da Associação Vexilológica da América do Norte (no link, tem um relatório com várias sugestões sobre o desenho de bandeiras). Tem também um subreddit sobre vexilologia que pareceu bem movimentado (foi daqui que eu tirei a piada/idéia de que o brasão da bandeira do Haiti é um .png), onde as pessoas criam bandeiras sobre vários lugares. Por fim, fica aqui um vídeo que eu achei com as similaridades de várias bandeiras:

Finalmente, tem uma tal de Federação Internacional das Associações Vexilológicas que pareceu interessante. De fato, eu gostei da bandeira deles =)