Disclaimer: eu não conheço a literatura sobre “linguagem neutra”, e tem o
perigo de que o modo como eu vou usar o termo aqui não seja o “típico” nessa
literatura. Especificamente, uma amiga interessada no assunto uma vez fez uma
distinção entre
“gender-neutral language”
[linguagem de gênero neutra] e
“gender-fair language”
[linguagem de gênero justa], e eu não sei se eu
entendo bem essa distinção.
Também tem o perigo de que o que eu vou dizer já tenha sido dito
por alguém mais. Isso não muda muito o meu interesse em pelo menos
“experimentar” com a idéia, e eu aceito opiniões/sugestões de coisas pra ler.
(Aliás… eu já escrevera essa postagem há um tempão; mas sempre me sentia
“inseguro” pra postá-la. Hoje, porém, vi essa
putaria
na internet e não resisti)
Ok… eu quero começar essa postagem dizendo “daonde eu venho”, ou seja,
“de que ponto de vista” eu olho esse assunto. Línguas são um assunto que
sempre me interessou: eu sempre achei bonito ver as relações entre as
palavras, e entender, por exemplo, que, ainda que extremamente desconectadas
na nossa cabeça, existe uma relação histórica entre palavras como
“agressor”,
“regredir”,
e
“congresso”,
ou, por outro lado, que tem relação entre
pedófilo
e
pederasta,
mas que essas últimas palavras não têm relação com
pedômetro
ou
pedir.
Eu também sempre achei interessante a
idéia de ter uma versão do Português que fosse melhor “ordenada” nesse
aspecto. Por exemplo, se eu estiver em meio a grupo de pessoas e, ao
chamar alguém, disser “a gente vai dar a volta na quadra”, de repente fica
incerto se eu tô dizendo que “eu e umas outras pessoas vamos dar a volta na
quadra”, se eu tô dizendo que “eu e a pessoa com quem eu to falando vamos
dar a volta na quadra”,
ou se eu to dizendo que “as outras pessoas vão dar a volta na quadra”
(os lingüístas usam o conceito de
“clusividade”
pra se referir a esse tipo de ambigüidade, e inclusive tem línguas que
fazem uma diferença entre o $nós_{\text{eu e tu}}$ e o $nós_{\text{eu e os outros mas não tu}}$).
Eu sempre achei esse tipo de “desestrutura” deselegante, e achei que a
gente poderia fazer melhor.
(mas bem… línguas são vivas, e o que seriam das nossas línguas sem os nossos
verbos irregulares para os quais os gramáticos adoram cagar regra?)
Aí, lá quando eu tava pra fazer o meu vestibular, eu lembro de ter ouvido
falar pela primeira vez num grupo de pessoas que queria usar “x” ou
“@” no lugar da marcação de gênero. Ou seja, dados os exemplos abaixo,
preferiam o exemplo 1b ou o exemplo 1c do que o exemplo 1a.
1a. Todos vieram à festa ontem
1b. Todxs vieram à festa ontem
1c. Tod@s vieram à festa ontem
De cara, eu achei isso a idéia mais burra
do mundo: oras, se a gente já tem uma vogal neutra (o “e”), que é usada em
um monte de palavras “unissex” como “presidente”, “gerente”, “importante”,
“recente”, “dependente”, “assistente”, “presente”, …, pra que colocar um
um “x” no lugar? Hoje eu presumo que historicamente isso seja o resultado
de essas pessoas imperialisticamente (e ironicamente, honestamente)
importarem suas pautas dos EUA (cuja língua não tem tal vogal mágica).
Mas como a minha opinião “não importa” demorou quase uma década pra eu
finalmente ver que eles eventualmente começaram a concordar comigo e
tomar o “e” como a vogal ideal.
Mas então… meu problema agora é que a “neutralidade” desse pessoal é
limitada demais. As pessoas estão contentes em dizer “todes” e “amigues”,
mas não tão dispostas a levar até o fim as mudanças que eles próprios
querem impôr. Talvez demore uma outra década, mas o que eu proponho é que
se vá mais a fundo!
(Antes de seguir eu só quero avisar: tudo isso vai soar *cringe*! Isso é
absolutamente normal. Toda mudança numa língua soa cringe mesmo, a não ser
que seja adotada por todo um grande grupo de uma só vez, e ainda assim pode
soar cringe pra quem não a adota. Como exemplo de cringe desse tipo, talvez
seja “instrutivo” lembrar do “anauê” dos integralistas [mas meu ponto é
exclusivamente lingüístico: eu não to comparando o movimento LGBT com o
integralismo].
A sugestão abaixo também pode soar “utópica”. E é mesmo! Eu não “pretendo”
ou “espero” que seja adotada – isso tá aqui só como uma opinião solta
sobre um assunto que me interessa só como
alguém-que-trabalha-com-lingüística. Mas se isso fosse um dia adotado eu
obviamente não iria reclamar :-). Finalmente, a discussão abaixo pode
soar um pouco “infantil”. Sobre isso, bem, eu diria que é assim que eu
espero que soem mesmo as idéias malucas de acadêmico excêntrico que eu
resolvi escrever aqui xP Eu inclusive fiquei pensando “o que vão pensar
de mim” e até ponderei se era mesmo “razoável” eu postar isso aqui; mas o
negócio aqui não é “ser razoável”, mas simplesmente “dumpar” umas idéias
malucas de tempos em tempos, e essa é só mais uma delas.)
A Proposta
A Wikipédia tem
um artigo sobre gênero neutro em Português
que sugere um monte de “alternativas” pra “desgeneralização” das
palavras que tentam tornar “palatável” a adoção dessa neutralidade pra
“população em geral”. Eu honestamente acho essas idéias “radicais de
menos” pra quem em geral é (ou tenta ser) mais radical do que eu.
A minha crença é de que as pessoas só vão adotar essas mudanças quando
elas as ouvirem com freqüência e sentirem que isso é “normal”.
Por exemplo, depois que eu passei a usar “vós” (que, sim, eu digo),
essa palavra passou a soar beeem menos formal pra mim do que a
palavra a que todo mundo tá acostumado (“você”). Eu acho que a
desgeneralização das palavras teria um efeito similar.
O Português é cheio de substantivos que terminam das formas mais diversas.
Quem prega essa “linguagem neutra” gosta pegar alguns substantivos e
pronomes e permitir-lhes umas certas terminações novas. Assim, (pegando
um exemplo do artigo supracitado da Wikipédia) em vez de
“dois garotos e duas garotas”, a pessoa diria “quatro garotes”.
Pois bem… eu sugiro ir mais além. Eu sugiro um desgeneralização de
TODAS as palavras. Eu sugiro que a marcação de gênero seja uma
marcação de ênfase. Além disso, eu sugiro que TODAS as palavras que
terminem em “-o” tenham SEMPRE uma flexão possível de gênero, de forma
que a versão com “-o” seja a versão marcada como “masculina”.
Assim, as pessoas diriam
2a. *Normalmente:* Quatre garotes
2b. *Em caso de ênfase:* Dois garotos e duas garotas
Eu iria mais além e instituiria essas regras inclusive pra TODAS as
palavras com terminação em “-e”
3a. Presidente -- Presidento -- Presidenta
3b. Importante -- Importanto -- Importanta
, e inclusive com os substantivos masculinos advindos da primeira
declinação do latim (que normalmente denotavam ocupações), como
. Eu inclusive abusaria do fato de que a gente tem três opções pra
plurais terminados em “-ão” e faria
5a. Função: Funçães -- Funções -- Funçoas
5b. Alemão: Alemães -- Alemões -- Alemoas (esse eu já uso, aliás, naturalmente)
5c. Dragão: Dragães -- Dragões -- Dragoas (aliás... qual o plural "de verdade" de "Dragão"?
. Por acaso, note-se que palavras terminadas em “-ão” também
variam naturalmente (minha vó diz “congestã”, e minha professora
da escola dizia “questã”; no Rio Grande do Sul a gente se refere
a uma mulher bem branca como “alemoa”). Por que não, então…
Note-se, inclusive, que muitas palavras (como inclusive alguns dos
exemplos acima) só têm gênero porque nós os atribuímos. Pra essas,
usar-se-ía invariamente o gênero neutros (mas é foda querer insistir
nessa regra, porque é sempre possível que surja um contexto muito
específico em que faça sentido marcar o gênero da palavra – por
exemplo, numa historinha em que o objeto foi antropomorfisado).
Outras palavras têm terminações mais “diversas”, como (exemplos
daqui)
7a. Açúcar
7b. Algoz
7c. Raiz
, e pra elas, eu sugeriria que só fosse possível marcar o gênero no
plural, ou seja,
. Já palavras terminadas em “-us” e “-is” eu sugeriria que fossem
tratadas como se terminassem em “-os” e “-es” (ou seja, os exemplos
2, 3 e 4 acima seriam os relevantes). O motivo é que na
fala a gente já não faz diferença nenhuma entre os dois tipos de
terminação, e ela só “existe” porque alguém decidiu que essas
palavras são escritas assim. Portanto,
É claro que os adjetivos que concordam em gênero seguiriam as
mesmíssimas regras,
11a. Bonite -- Bonito -- Bonita
. Porém, eu acho que só vale a pena sugerir especificamente o que
poderia acontecer com aquelas quatro palavras que a gente herdou
diretamente do latim: melhor, pior, maior e menor. Como as
palavras têm 2000 anos e já não marcam gênero nenhum, eu não vejo
por que mudar. Eu, porém, mudaria seus plurais:
12a. Melhores -- Melhoros -- Melhoras
12b. etc...
Da mesma forma, eu sugeriria que os particípios ficassem como são
hoje. Por exemplo, na frase “eu tinha comido”, ele não muda: é
“comido” independente do gênero de “eu”; mas na frase “ele foi
mandado pra casa” a palavra “mandado” concorda em gênero com
“ele” (no caso, ficaria “mandade”).
O
artigo supracitado da Wikipedia
também tenta sugerir novos pronomes “neutros”, e inclui uma tabela
enorme com “ilu”, “elu”, “el”, e tudo o mais. O que ele não tenta
fazer é mudar os pronomes que a gente já tem pra que a coisa
fique mais elegante. Pra mim isso é pensar muito pequeno… é uma
“arte” muito feia só colocar um pronome lá pra dizer que “colocou”.
Se é pra ser radical, por que não ser realmente radical?
Eu sugiro o seguinte: que se mude TUDO! Que se reinclua um artigo
neutro (o “e” – ou seja, os nossos artigos seja como 11a) e que
os pronomes demonstrativos agora sejam também “desgeneralizados”
(como em 11b e 11c).
13a. e -- o -- a
13b. Isse -- Isso -- Issa
13c. Esse -- Esso -- Essa
Eu não sei se ficou claro, mas a diferença entre “isse” e “esse”
ainda é a mesma que no nosso Português de todo dia. Por exemplo,
ainda se diriam coisas como
14a. "Isse é e que eu te falei" [isso é o que eu te falei]
14b. "Esse é e pessoe de que eu te falei" [essa é a pessoa de que eu te falei]
Óbvio que isso é válido pra outros pronomes também,
15a. Algume -- Algumo -- Alguma
15b. Nenhume -- Nenhumo -- Nenhuma
15c. Ele -- Elo -- Ela
15d. Eles -- Elos -- Elas
, e válido pra preposições quando elas vêm “acompanhadas” de artigo,
como
16a. Pele -- Pelo -- Pela -- (sem artigo:) Por
16b. Ne -- No -- Na -- (sem artigo:) Em
16c. Pre -- Pro -- Pra -- (sem artigo:) Pra
16c. De -- Do -- Da -- (sem artigo:) Di
. Como dá pra ver, eu não, eu não mudaria a versão “sem artigo” da
maioria das preposições; mas eu sinto que a confusão é bem grande
se não houver uma diferença entre o “de” sem artigo e o “de” com
artigo neutro, e por isso eu sugeriria o “di”.
Pronomes possessivos merecem uma atenção especial aqui. É que
eles variam bastante: “meu – minha”, “teu – tua”. O que eu faria
seria simplesmente substituir o “a” por “e” nesse caso,
17a. Minhe -- Meu -- Minha
17b. Tue -- Teu -- Tua
17c. Sue -- Seu -- Sua
17d. *(mas, claro)*: Dele -- Delo -- Dela
. Finalmente, pra dar espaço pra que o “e” adquira o seu sentido
de “vogal do gênero neutro”, eu sugiro que a gente mude a grafia da
conjunção “e” pra “i”, por exemplo,
18a. Ele foi comer ne padarie i já volta
. Afinal, esse “e” já é quase que invariavelmente
pronunciada “i”, à exceção de em alguns dialetos pequenos, por exemplo,
no sul do Brasil (que os grupos que defendem essas propostas vão de qualquer
forma desqualificar como “hegemônicos”), que podem perfeitamente
permanecer dizendo “e” da mesma forma que a gente hoje em dia já diz “i”
(e vai permanecer dizendo) no fim das palavras terminadas em “e”.
(ou seja, por exemplo, “cacete” é pronunciado “kassêtchi”.)
Da mesma forma, eu sugeriria que a gente trocasse o “o” em muitos
lugares onde ele não parece um artigo (como em “o que” ou “do que”)
por “u”, pra deixar claro que isso não é masculino.
Ahh… existem algumas palavras e expressões que são “congeladas” na
língua hoje. Por exemplo,
19a. Eu não gostei *mesmo* dessa música
19b. *Tanto* ela *quanto* ele gostam dessa música.
19c. Essa é *tão* boa *quanto* aquela.
19d. Ela não é nem *alguém* nem *ninguém*
Com toda essa regularidade na nossa língua, isso seria um presente
pros parnasianos, que teriam todo o espaço pra se deleitar.
Mas bem, como eu não sou parnasiano, eu vou tentar fazer uma prova de
conceito do que eu acho que isso significaria pra construção
de uma nova linguagem “neutra”. (caso algo fique obscuro demais,
ou caso eu cometa algum erro – porque é difícil escrever assim –,
tem uma “tradução” depois)
E Motivaçãe
Deixa eu tentar esclarecer melhor e motivaçãe de minhe opiniãe.
É importante levar sempre em condiseraçãe que es língües mudam e
tempe tode: e Latim foi mudando ae longue des sécules, i deu origem
(entre outres) ae que e gente chama di Português. E próprie Português
de tempe de
Pero Vaz di Caminha
(ne link tem ume transcriçãe du que tá escrite ne carte; mas ume
versãe em “Português atual” pode ser lide
aqui)
é bem complicade di ler hoje em die, i, naturalmente, foi mudando i
dando lugar ae que e gente hoje chama di Português “moderne”.
Esses mudançes ocorrem di váries formes. Muites deles ocorrem di forme
natural/pupular/vulgar: e “pove” (e “vulgus”, em Latim), muites vezes
sem acesse a educaçãe, fala di ume certe forme (aes vezes inclusive com
e intuite di reproduzir e mode como “es elites” falavam), i esse
certe forme (por exemple, diz coisas como “a nível de”, ou mesmo
“obrigado”) aes pouques “invade” e vocabulárie des elites, que
eventualmente tornam esse forme e “padrãe” i adotam isse como “certe”.
Outres vezes, e processe é e oposte: es elites sugerem que ume certe
forme seje e “correte” e, di tanto martelarem e negócie ne cabeçe des
pessoes, e língüe muda. E exemple-mor disse ne escrite é e treme, que
es elites decidiram que “tem que cair”, i caiu. (mas tem
UME MONTE di outres exemples que pra mim sãe e cúmule de bobagem.)
Mas também tem outres ne fale, como, por exemple, que e verbe haver
fica sempre singular quando ele significa “existir” em frases come
“há três biblioteques ne Universidade” (inclusive, e gente já chegou
ae ponte em que e verbe haver agora
tá virando ume preposiçãe).1
Es lingüistes em geral observam esses mudançes come se eles fossem
ume fenômene “físique”. E objetive é descrever es mudançes i criar
teories que expliquem come eles ocorrem i prevejam quando/como eles
se desenvolvem. E lingüiste em geral não tá interessade em
defender necessariamente ume língüe contra ume certe mudançe (ou
em fomentar ume outre mudançe que ele pense que é interessante),
mas em coletar dades i prever u que vai acontecer ne future, dades es
condiçães atuais de sociedade onde esse língüe está sendo falade.
Assim, de ponte di viste de lingüístique como ume ciêncie social,
esses mudançes não são “boes” ou “ruins”, ou, melhor dizendo, são tão
“boes” ou “ruins” quanto, por exemple, es mudançes di estade físique
de ágüe.
Agora, saber de existêncie des mudançes di estade físique de ágüe
permitiu a cientistes ume conjunte enorme di “aplicaçães”. Por
exemple, dá pra transformar e energie mecânique de vapor di ágüe em
energie elétrique, e isse foi súper útil pra e gente chegar ae munde
moderne di hoje. De mesme forme, em tese seria possível falar em
“aplicaçães” daquile que es lingüistes descobrem pra “melhorar” e
sociedade ou alcançar certes objetives específiques. Por exemple, ae
minhe redor ne Brasil sempre foi normal falar em “psicóloga”, ne
feminine, e isse talvez dê aes pessoes ume imagem – possivelmente
inclusive subliminar – di que psicologie é algue “pra mulher”
(acho que isse é bem comum com “cabeleireira” ou “enfermeira”
também).2 Di fate, isse é justamente e que
e ciêncie aparentemente vem desconbrindo nes últimes anos
(ainda que valha e pene ficar com ume pé atrás e tomar com cuidade
e evidêncie, porque esse discussãe está claramente envenenade
por ume quantidade imense di ideologie).
Assim, é clare que é di se esperar que es cientistes comecem a
ponderar sobre como é possivel usar e língüe pra “melhorar”
(dade ume métrique sobre u que significa “ser bom”) e sociedade,
e é justamente aqui que entra e “linguagem neutre”.
Esses aplicaçães podem ser úteis, mas pra algumes pessoes
eles são simplesmente desinteressantes (literalmente, ou seja,]
eles não são algue que es mova).
Aqui, avle e pene fazer ume diference entre “ciêncie di
base” e “ciêncie aplicade”. Como e próprie nome diz, e
cientiste “aplicade” é e que busca “aplicar” e conhecimente que
já se tem. Deixa eu dar ume exemple que eu acho interessante:
imagine-se que e Universidade onde eu estudo aqui ne Alemanhe
tenha ume convênie
com ume escole em um outre país, através de qual ele recebe
tode ane ume certe númere di pessoes pra fazer e sue bacharelade
aqui. Imagine-se também que
esse convênie tem ume únique grande restriçãe: que todes es
alunes têm que passar nume teste di alemãe ae final di ume ane,
i que se eles falharem eles têm di voltar pre sue país di
origem sem diplome i sem e perspective di future que ele lhes
permitiria. Assim, fica clare que seria bom se houvesse
ume forme di selecionar es alunes di tal forme que es alunes
selecionades tivessem ume chance relativamente grande di
aprender e língüe rápide e suficiente. Pra cases como esse,
e cientiste aplicade seria ideal: ele tentaria encontrar
algume forme di selecionar es estudantes pra que e maior
númere deles conseguisse passar ne teste depois di ume ane.
Esse cientiste aplicade, porém, provavelmente não vai tirar
de cu esse “forme di selecionar es estudantes”. Em vez disse,
provavelmente ele vai se basear ne conhecimente que já foi
adquiride através daquile que e gente chama di “ciêncie di
base”… e “ciêncie pele ciêncie”, que busca
por respostes pra perguntes que não têm ume clare utilidade
prátique direte.
Pois bem… esse histórie tode é só pra dizer que eu sou ume
“cientiste di base”, i que tode esse negócie di “aplicaçãe”
di lingüístique não me interessa nem ume pouque.3 Assim,
quando eu vejo e língüe mudando, eu só me interesso nele como
“fenômone”. Como ume físique talvez ache certes fenômenes físiques
“bonites” ou “elegantes”, eu tenho também ume intuiçãe sobre e
língüe como “bonite” i “elegante”, mas esse intuiçãe é bastante
independente de quão útil ou “bom” e língüe esteja se tornando.
Assim, é com base nesse “quadre mental” que eu gostaria que
es movimentes sociais fossem “mais a funde” ne “neutralidade”
de sue Português. Porque esse “neutralidade” é elegante e
bonite, de ume forme que só faz sentide se eu olhar pre língüe
sem ume “utilidade” pre ele.
(Es detalhes específiques desse “intuiçãe” di que eu falei acima
me requereriam escrever muite coise, i vão acabar ficando pra
ume outre postagem.)
Tem ume últime coise que eu queria falar antes di terminar esse
postagem. Fica bem escancarade que esses sugestães di mudançes
que eu escrevi acima são super drástiques, e aí pode ser que
alguém me argumente que e que eu to sugerindo é que se fale ume
coise que “nem é mais Português”, como fica justamente notável
nu quão difícil é ler esse texte aqui. Talvez esse seja ume
nove língüe, artificialmente construíde, fortemente baseade ne
Português, que possa viver “ae lade de Português”. Sobre isse,
eu diria: é, pode ser. Mas vale considerar se e distâncie desse
texte pre Português é tããããoooo maior du que e distâncie de
nosse Português pre carte de Pero Vaz di Caminha (que é tratade
como “Português”) ou mesmo pre
traduçãe de Bíblie de João Ferreira di Almeida, di 1681
– se bem que pra mim e Bíblie soa suuuuper compreensível,
talvez porque eu já conheça bem e Bíblie. (deixa eu pôr aqui
ume exemple di algue conhecide que não é nem criaçãe de Camões
nem de Renato Russo)
¹ Ainda que eu falaſſe as lingoas dos homens, e dos Anjos,
e naõ tiveſſe caridade, ſeria como o metal que tine, e como
o ſino que retine.
² E ainda que tiveſſe [o dom] de profecia, e conheceſſe todos
os ſecretos, e toda a ſciencia: E ainda que tiveſſe toda a fé,
de tal maneira que traſpaſſaſe, e naõ tiveſſe caridade, nada
ſeria.
³ E ainda que diſtribuiſſe toda minha fazenda pera mantimento
[dos pobres] e ainda que entregaſſe meu corpo pera ſer queimado,
e naõ tiveſſe caridade, nada me aproveitaria.
⁴ A caridade he paciente: he benigna: A caridade naõ he
envejoſa: A caridade naõ faz ſem razaõ, naõ ſe incha.
⁸ A caridade nunca ſe perde: Mas quanto ás profecias,
aniquiladas ſeraõ: E quanto ás lingoas, ceſſaraõ: E quanto a
o conhecimento, ſera aniquilado.
⁹ Porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos.
¹⁰ Mas quando a perfeiçaõ viér, entonces o que he em parte
ſerá aniquilado.
I Coríntios XIII, 1-10 (Tradução João Ferreira de Almeida, 1681)
Sei lá… já devaneei bastante por hoje… fico por aqui…
(“traduzindo”): A Motivação
Deixa eu tentar esclarecer melhor a motivação da minha opinião.
É importante levar sempre em consideração que as línguas mudam o tempo
todo: o Latim foi mudando ao longos dos séculos, e deu origem (entre
outros) ao que a gente chama de Português. O próprio Português do tempo
do
Pero Vaz de Caminha
(no link tem uma transcrição do que tá escrito na carta; mas uma versão
em “Português atual” pode ser lida
aqui)
é bem complicado de ler hoje em dia, e, naturalmente, foi mudando e
dando lugar ao que a gente hoje chama de Português “moderno”.
Essas mudanças ocorrem de várias formas. Muitas delas ocorrem de forma
natural/popular/vulgar: o “povo” (o “vulgus”, em Latim), muitas vezes
sem acesso a educação, fala de uma certa forma (às vezes inclusive
com o intuito de reproduzir o modo como “as elites” falavam), e essa
certa forma (por exemplo, diz coisas como “a nível de”, ou mesmo
“obrigado”) aos poucos “invade” o vocabulário das elites, que
eventualmente tornam essa forma o “padrão” e adotam isso como “certo”.
Outras vezes, o processo é o oposto: as elites sugerem que uma certa
forma seja a “correta” e, de tanto martelarem o negócio na cabeça das
pessoas, a língua muda. O exemplo-mor disso na escrita é a trema, que
as elites decidiram que “tem que cair”, e caiu. (mas tem
UM MONTE de outros exemplos que pra mim são o cúmulo da bobagem.)
Mas também tem outros na fala, como, por exemplo, que o verbo haver
fica sempre singular quando ele significa “existir” em frases como
“há três bibliotecas na Universidade” (inclusive, a gente já chegou
ao ponto em que o verbo haver agora
tá virando uma preposição).1
Os lingüistas em geral observam essas mudanças como se elas fossem
um fenômeno “físico”. O objetivo é descrever as mudanças e criar
teorias que expliquem como elas ocorrem e prevejam quando/como elas
se desenvolvem. O lingüísta em geral não tá interessado em
defender necessariamente uma língua contra uma certa mudança (ou
em fomentar uma outra mudança que ele pense que é interessante),
mas em coletar dados e prever o que vai acontecer no futuro, dadas as
condições atuais da sociedade onde essa língua está sendo falada.
Assim, do ponto de vista da lingüística como uma ciência social,
essas mudanças não são “boas” ou “ruins”, ou, melhor dizendo, são tão
“boas” ou “ruins” quanto, por exemplo, as mudanças de estado físico
da água.
Agora, saber da existência das mudanças de estado físico da água
permitiu a cientistas um conjunto enorme de “aplicações”. Por
exemplo, dá pra transformar a energia mecânica do vapor de água em
energia elétrica, e isso foi súper útil pra a gente chegar ao mundo
moderno de hoje. Da mesma forma, em tese seria possível falar em
“aplicações” daquilo que os lingüistas descobrem pra “melhorar” a
sociedade ou alcançar certos objetivos específicos. Por exemplo, ao
meu redor no Brasil sempre foi normal falar em “psicóloga”, no
feminino, e isso talvez dê às pessoas uma imagem – possivelmente
inclusive subliminar – de que psicologia é algo “pra mulher”
(acho que isso é bem comum com “cabeleireira” ou “enfermeira”
também).2 De fato, isso é justamente o que
a ciência aparentemente vem descobrindo nos últimos anos
(ainda que valha a pena ficar com um pé atrás e tomar com cuidado
a evidência, porque essa discussão está claramente envenenada
por uma quantidade imensa de ideologia).
Assim, é claro que é de se esperar que os cientistas comecem a
ponderar sobre como é possível usar a língua pra “melhorar”
(dada uma métrica sobre o que significa “ser bom”) a sociedade,
e é justamente aqui que entra a “linguagem neutra”.
Essas aplicações podem ser úteis, mas pra algumas pessoas
elas são simplesmente desinteressantes (literalmente, ou seja,
elas não são algo que as mova).
Aqui, vale a pena fazer uma diferença entre “ciência de
base” e “ciência aplicada”. Como o próprio nome diz, o
cientista “aplicado” é o que busca “aplicar” o conhecimento que
já se tem. Deixa eu dar um exemplo que eu acho interessante:
imagine-se que a Universidade onde eu estudo aqui na Alemanha
tenha um convênio
com uma escola em um outro país, através do qual ela recebe
todo ano um certo número de pessoas pra fazer o seu bacharelado
aqui. Imagine-se também que
esse convênio tem uma única grande restrição: que todos os
alunos têm que passar num teste de alemão ao final de um ano,
e que se eles falharem eles têm de voltar pro seu país de
origem sem diploma e sem a perspectiva de futuro que ele lhes
permitiria. Assim, fica claro que seria bom se houvesse
uma forma de selecionar os alunos de tal forma que os alunos
selecionados tivessem uma chance relativamente grande de
aprender a língua rápido o suficiente. Pra casos como esse,
o cientista aplicado seria ideal: ele tentaria encontrar
alguma forma de selecionar os estudantes pra que o maior
número deles conseguisse passar no teste depois de um ano.
Esse cientista aplicado, porém, provavelmente não vai tirar
do cu essa “forma de selecionar os estudantes”. Em vez disso,
provavelmente ele vai se basear no conhecimento que já foi
adquirido através daquilo que a gente chama de “ciência de
base”… a “ciência pela ciência”, que busca
por respostas pra perguntas que não têm uma clara utilidade
prática direta.
Pois bem… essa história toda é só pra dizer que eu sou um
“cientista de base”, e que todo esse negócio de “aplicação”
de lingüística não me interessa nem um pouco.3 Assim, quando
eu vejo a língua mudando, eu só me interesso nela como
“fenômeno”. Como um físico talvez ache certos fenômenos físicos
“bonitos” ou “elegantes”, eu tenho também uma intuição sobre a
língua como “bonita” e “elegante”, mas essa intuição é bastante
independente do quão útil ou “bom” a língua esteja se tornando.
Assim, é com base nesse “quadro mental” que eu gostaria que
os movimentos sociais fossem “mais a fundo” na “neutralidade”
do seu Português. Porque essa “neutralidade” é elegante e
bonita, de uma forma que só faz sentido se eu olhar pra língua
sem uma “utilidade” pra ela.
(Os detalhes específicos dessa “intuição” de que eu falei acima
me requereriam escrever muita coisa, e vão acabar ficando pra
uma outra postagem.)
Tem uma última coisa que eu queria falar antes de terminar essa
postagem. Fica bem escancarado que essas sugestões de mudanças
que eu escrevi acima são super drásticas, e aí pode ser que
alguém me argumente que o que eu to sugerindo é que se fale uma
coisa que “nem é mais Português”, como fica justamente notável
no quão difícil é ler esse texto aqui. Talvez essa seja uma
nova língua, artificialmente construída, fortemente baseada no
Português, que possa viver “ao lado do Português”. Sobre isso,
eu diria: é, pode ser. Mas vale considerar se a distância desse
texto pro Português é tããããoooo maior do que a distância do
nosso Português pra carta do Pero Vaz de Caminha (que é tratada
como “Português”), ou mesmo pra
tradução da Bíblia do João Ferreira de Almeida, de 1681
– se bem que pra mim a Bíblia soa suuuuper compreensível,
talvez porque eu já conheça bem a Bíblia. (deixa eu pôr aqui
um exemplo de algo conhecido que não é nem criação do Camões
nem do Renato Russo)
¹ Ainda que eu falaſſe as lingoas dos homens, e dos Anjos,
e naõ tiveſſe caridade, ſeria como o metal que tine, e como
o ſino que retine.
² E ainda que tiveſſe [o dom] de profecia, e conheceſſe todos
os ſecretos, e toda a ſciencia: E ainda que tiveſſe toda a fé,
de tal maneira que traſpaſſaſe, e naõ tiveſſe caridade, nada
ſeria.
³ E ainda que diſtribuiſſe toda minha fazenda pera mantimento
[dos pobres] e ainda que entregaſſe meu corpo pera ſer queimado,
e naõ tiveſſe caridade, nada me aproveitaria.
⁴ A caridade he paciente: he benigna: A caridade naõ he
envejoſa: A caridade naõ faz ſem razaõ, naõ ſe incha.
⁸ A caridade nunca ſe perde: Mas quanto ás profecias,
aniquiladas ſeraõ: E quanto ás lingoas, ceſſaraõ: E quanto a
o conhecimento, ſera aniquilado.
⁹ Porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos.
¹⁰ Mas quando a perfeiçaõ viér, entonces o que he em parte
ſerá aniquilado.
I Coríntios XIII, 1-10 (Tradução João Ferreira de Almeida, 1681)
Sei lá… já devaneei bastante por hoje… fico por aqui…
Notas de rodapé
Na verdade, depois de ler esse parágrafo denovo, eu fiquei pensando que eu de fato não sei se esse negócio de “o verbo haver tem que ser singular” é algo que aconteceu naturalmente, ou se foi cagação-de-regra de algum gramático. Eu tentei dar uma buscada, mas o Gugo não foi muito útil, e na falta de saco de arrumar eu só pus essa nota de rodapé aqui. ↩↩2
Por outro lado, como os postos militares não concordam em gênero (uma mulher é uma “soldado”), isso pode dar sempre a impressão de que militares são normalmente homens (o que, aliás, é verdade – e inclusive é o resultado de que homens são obrigados a servir =/ ). ↩↩2
Na verdade, até que me interessa, mas não “do ponto de vista científico”. Como acho que fica claro no texto como um todo, eu to muito bem interessado na “política” da coisa, mas não acho que é o trabalho do cientista de base se preocupar com esse tipo de coisa. O negócio é estudar o fenômeno. ↩↩2
De vez em quando alguém me pergunta por que eu chamo viado de “viado”. Por que
eu me sinto absolutamente confortável em usar palavras como “bicha”, “baitola”,
ou “bichona” (em referência ao Zorra Total, inclusive) pra me referir a outros
viados? Tem muita gente que acha “ofensivo”, ou se sente
desconfortável com essas palavras. Tem gente que inclusive fica perplexa na
primeira vez que me escuta dizendo isso.
Às vezes, as reclamações vêm inclusive de viados mais
conservadores1 com os quais eu tenho a oportunidade de conviver.
Quando o Eduardo Leite saiu do armário, ele recebeu uma certa atenção
inclusivedamídiainternacional.
A Jovem Pan discutiu o assunto no Morning Show:
Aos 3min, eles discutem a reação do Jean Wyllys a um tuíte alheio. Ele diz:
Louvado é um pouco demais. Acho bacana. Aplaudo. Mas miro a notícia com
muita crítica e olhar de quem conhece as artimanhas das bichas de direita
que optam por sair do armário em certos contextos.
(ênfase minha; não consegui achar o tuíte original)
Ao chegar no “bichas de direita”, a resposta do pessoal da Jovem Pan foi
bastante interessante. Alguém até interrompe a leitura pra largar um
“que sem educação”. Muita gente acha “deselegante” a palavra (“bichas”)
que o Jean Wyllys usou.
O objetivo dessa postagem é explicar por que, na verdade, o Jean Wyllys não
disse nada de mais. Que o significado que ele tava atribuindo à palavra é
diferente do significado que o pessoal da Jovem Pan interpretou. A idéia é
fazer uma “jornada” por um monte de assuntos, tentando entender a minha
perspectiva sobre como as
palavras “recebem” o seu significado, e sobre como o modo como as pessoas à
nossa volta usam as palavras influencia o modo como a gente as entende.
Antes, porém, é necessário fazer uma ressalva:
a discussão a seguir é (pelo menos do meu ponto de vista) independente de
“orientação ideológica”. Eu não sou um esquerdista que acredita que, por
exemplo, só viado pode usar a palavra “viado”. Pelo contrário, eu sou
contra essa visão, e acredito que essa crença só alimenta uma maior divisão,
um maior “nós contra eles”. Minha impressão é que essa visão é baseada
essencialmente em um grande ad hominem ideológico/identitário, que
conflita em muito com a discussão que eu vou propôr a seguir. Ao mesmo
tempo, eu concedo um ponto: que o significado da palavra “bicha” quando usada
por um Jean Wyllys é diferente do significado da palavra “bicha” quando
usada, por exemplo, pelo
Eduardo Bolsonaro
(e o porquê disso vai ficar claro mais pra frente).
(Mas eu não quero entrar nessa discussão… então sigamos para a coisa
interessante.)
A Hipótese Distribucional, ou seja, “como computadores entendem palavras?”
A inteligência artificial “tomou o mundo”. Da busca no Google, às
recomendações de amigos do Facebook, às sugestões de produtos na internet,
aos filtros de spam, passando pelos reconhecimento facial do Instagram, e
pelo aviso de atividade suspeita no cartão de crédito, até os mais
atuais “Deep Fake” que têm tornado cada vez mais difícil reconhecer o que
é e o que não é fake news.
Uma das áreas em que muito progresso foi feito nos últimos ~10 anos é a de
Processamento de Linguagem Natural,
ou seja, como fazer com que computadores processem textos/voz de forma
“inteligente”.
Antigamente, ao fazer uma busca no Google, era normal evitar certas
palavras “inúteis” (como “de”, “ou”, “sobre”, “e”, …) porque elas
mais atrapalhavam os resultados do que ajudavam; hoje em dia, a gente
escreve uma frase completa com erros de português e geralmente espera
que ele adivinhe o que a gente quer. De fato, hoje em dia, tanto o
Google como o Facebook traduzem texto automaticamente em várias
línguas com uma qualidade relativamente decente. Os filtros de spam
funcionam, e o Youtube até gera legendas razoáveis pros seus vídeos.
Cada uma dessas coisas (traduzir, categorizar emails como spam ou
não-spam, transformar audio em texto) é uma “tarefa” que os
engenheiros trabalhando com aprendizado de máquina tentam resolver.
Existem muitas outras: o Mercado Livre pode estar interessado em
analisar os comentários dos seus produtos pra decidir se os
comentários são positivos ou negativos (isso leva o nome de
“análise de sentimento); um serviço de atendimento ao cliente que receba
mensagens de clientes pode estar interessado em chutar (com base
no texto) qual o problema do cliente (dependendo do caso, isso é
chamado de “classificação de texto” ou de “reconhecimento de
intenção”), etc. O que todas essas tarefas têm em comum é que elas,
em última análise, invariavelmente lidam com palavras (ou
seqüências de palavras) e precisam representar (de alguma forma,
normalmente com números) as características dessas palavras.
Uma das grandes sacadas que permitiram a essa área se desenvolver e
prosperar e se tornar o que ela é hoje é que o significado das
palavras não é algo isolado, e depende das outras palavras ao redor.
Deixa eu tentar inventar um exemplo. No exemplo a seguir, eu uso uma
palavra aleatória (catralaca, que eu inventei agora), cujo significado
é bastante óbvio:
Eliza chegou ao parque e tirou de sua mochila um pedaço de papel.
Queria escrever um pouco o que quer que viesse à sua mente. Ao buscar
por seu estojo, percebeu que o esquecera em casa. Resolveu então
usar a catralaca que tinha ganho de um amigo no dia
anterior e que ainda estava na mochila.
Não era boa para escrever: a tinta falhava, e por seu
formato bizarro o texto final parecia que fora escrito com a sua
mão esquerda. Mas bem, é o que tinha… quem não tem cão caça
com gato.
O leitor espertalhão me dirá: “mas isso é óbvio! Se não fosse assim,
seria impossível saber o significado de foda”. De fato,
foda é uma dessas palavras cujo significado “se inverte”,
e só é possível dizer o seu significado com base no contexto:
Esse professor é foda! Ele toca guitarra bem demais! (algo bom)
Esse professor é foda! Faz provas difíceis demais só pra rodar os alunos (algo ruim)
Essa idéia, de que o significado das palavras depende do seu
contexto, está presente na concepção de absolutamente TODOS
os algoritmos de processamento de linguagem que todo mundo usa hoje
em dia, direta ou indiretamente. Todas as aplicações, do sistema
de autocompletar do Google, até os “Você quis dizer:” que ele
nos oferece quando a gente escreve algo errado… TUDO está
relacionado à hipótese distribucional.
Bueno… existem basicamente, duas “versões” da hipótese distribucional:
uma versão “fraca” e uma versão “forte”. A seguir, eu tento propôr uma
“formulação” (não muito formal… o importante é prestar atenção
na diferença) de cada uma das versões:
Hipótese Distribucional (fraca): Dada uma palavra $w$, um
contexto $c$ onde $w$ é usada, e o conjunto
$C$ de todos os contextos onde essa palavra normalmente é usada,
parte considerável do significado de $w$ pode ser estimado com base
em $C$ e $c$.
Hipótese Distribucional (forte): Dada uma palavra $w$, um
contexto $c$ onde $w$ é usada, e o conjunto
$C$ de todos os contextos onde essa palavra normalmente é usada,
todo o significado de $w$ pode ser estimado com base
em $C$ e $c$.
Eu não acredito muito na versão “forte” da hipótese. Eu acho difícil
imaginar que não haja fatores “extralingüísticos” (como o olhar dos
jogadores numa partida de truco, ou o “tempo” de um humorista ao
fazer uma piada) que definam parte do significado das palavras.
Por outro lado, dado o sucesso que essa
hipótese teve em gerar algoritmos que funcionam, eu diria que
os céus declaram
que pelo menos “parte considerável” do significado das palavras é
estimável com base nos contextos em que elas são usadas.
Existem duas coisas importantes que precisam ser levadas em
consideração se a hipótese distribucional é verdadeira.
A primeira é que os contextos em que as palavras são usadas
não são uma propriedade “inerente” a uma língua, mas variam de
acordo com a experiência de cada falante. Quando eu uso a palavra
“foda”, o significado que ela tem pra mim é baseado em todos os milhares
de casos em que as pessoas ao meu redor a usaram. Como meus amigos
a usam de forma casual, sem muito “peso”, eu acostumei a escutar
“foda” como mais uma palavra comum. Por outro lado, quando a minha
avó escuta a palavra “foda” (o que, de fato, não ocorre
freqüentemente, porque as pessoas ao seu redor a evitam e somente
a usam com sentido extremamente pesado) o significado que vem à
sua mente é o significado que a palavra “foda” tinha na sua
geração.
Sob essa análise, o significado de uma palavra também não é algo
“inerente” à palavra. O significado de “foda” tá na cabeça de
cada falante, e o que o algoritmo, portanto, tenta gerar é uma estimativa
“média” dos significados nas cabeças de todos os falantes da
língua. (Um livro muito interessante que discute o que significa
“significado” é um tal de
“A User’s Guide to Thought and Meaning”, do Ray Jackendoff2.)
É nesse sentido que o significado de “bicha” pro Jean Wyllys é
diferente do significado de “bicha” pra alguém como o Eduardo
Bolsonaro (ou pro pessoal do Morning Show da Jovem Pan). E é
nesse sentido que “viado” pra mim significa algo perfeitamente
tranqüilo, enquanto “viado” pra algum conservador provavelmente
signifique algo “ofensivo”.
A segunda coisa que deve ser levada em consideração é que, se
parte considerável do significado de uma palavra depende dos
seus contextos, então essa parte considerável pode ser mudada
ao se mudar os contextos em que as palavras são usadas (como
justamente exemplificado com a palavra “foda” acima). Ou seja,
ao adicionar novos contextos em que a palavra é usada
(por exemplo, dizer “viado” em situações neutras ou positivas),
ela adquire um novo significado (no exemplo, um significado que
não é ofensivo), e se essa palavra passa a ser usada
nesses novos contextos mais freqüentemente do que nos contextos
antigos, o seu significado “padrão” pode passar a ser o novo
(deixando o velho como “arcaico”).
Quando eu digo isso pras pessoas, elas normalmente acham isso
absurdo. “Baitola” é uma palavra ofensiva (defendem eles).
Esses dias, ao dizer isso pra um amigo, ele entrou no modo
“isso aí são as besteiras que tu aprendes nas ciências sociais”.
(Ironicamente, essas idéias vêm diretamente da minha experiência
com computação! Eu to tirando isso “do cu”… digo…
eu não li essas idéias em “artigo científico” algum, ou em trabalho
“ideologicamente carregado” das Ciências Sociais. Talvez até haja
artigos sugerindo essas mesmas coisas, mas eu não to ciente da sua
existência. Isso é 100% o resultado da minha contemplação de uma
idéia que, bem, pra falar a verdade, simplesmente funciona.)
E eu concordo que soa absurdo. E eu concordo que não é todo
o significado de uma palavra que é baseado no uso. Mas a verdade
é que esse fenômeno (de as palavras mudarem de significado) é tão
freqüente (mas tão freqüente mesmo!) que a gente nem nota.
O conjunto de exemplos mais óbvios é o de palavras como
“Amazon”, “Apple” e “Corona” em inglês, que tinham significados
específicos (a floresta amazônica; maçã; uma marca de cerveja) até
um certo momento, e, em questão de alguns anos (ou semanas, no caso de
“Corona”) mudaram radicalmente de significado (uma loja virtual;
uma marca de computadores; uma doença). É claro que o significado
“velho” não foi embora, mas isso é justamente o resultado do fato
de que, bem, a floresta amazônica ainda existe (e é chamada de Amazon),
maçãs ainda recebem o nome “apple”, e “corona” ainda é uma marca
de cerveja (ou seja, esses contextos ainda aparecem com certa
freqüência, apesar de terem sido “eclipsados” pelos outros usos,
agora mais comuns).
Um outro conjunto de exemplos é o de palavras como “gay” em inglês
(que significava “feliz” em inglês – e ainda aparece em músicas
cristãs antigas), ou “judiar/judiaria” em português (que significa
“atormentar”, mas originalmente é relacionado
aos judeus – há quem diga que tem a ver com o holocausto, mas
eu não consigo achar fontes confiáveis sobre isso).
(outro exemplo que me vem à mente agora é “homem”, que ao longo
do tempo teve o seu significado cada vez mais restrito, inicialmente
significando qualquer ser humano – em latim, “homo” significava
“humano” – e ao longo do tempo passando a se referir somente a
um subconjunto dos seres humanos.3)
Hoje em dia, quando alguém diz frases como “I’m gay” (ou seja,
sou gay em inglês) ou
“não judia da pobre criança”, ninguém tá pensando no uso original.
Tanto que muita gente nem sabe do uso original!
Ele se foi, e mesmo que alguns estejam “cientes” de que um dia isso
significou algo diferente, a gente não se importa com isso
(ou, talvez, pelo menos, uma maioria da população não se importa).
Finalmente, eu acho que onde a hipótese distribucional fica
mais “clara” é no uso de palavras como “americano” ou “liberal”
(ou “homem” e “mulher”, como eu mencionei acima).
Diferentes conjuntos de usuários dessas palavras fazem esforços
pra impôr a elas o significado que lhes convêm (por motivações
políticas, por exemplo), e as usam de forma diferente.
O que o esquerdista tenta exprimir quando diz “estadunidense”
(evitando se referir à pessoa dos EUA como “americano” e
reservando essa palavra ao continente)
entra em conflito com o que o que o resto da população entende.
O que o acadêmico quer dizer quando fala “liberal” é diferente
do que o político entende (ou quer entender). O significado
dessas palavras tá no centro da “guerra cultural” que a gente
vive hoje no país.
De fato, eu acho que os movimentos políticos (ainda que talvez
não tenham uma “teorização” específica sobre como isso funciona)
sabem bem do que eu to falando. É por isso que
a esquerda falava em “PEC do Calote” enquanto a direita falava em “PEC dos Precatórios”,
por exemplo, ou é por isso que
o Ernesto Araújo4 chamou
o Coronavirus de “comunavirus”
ou a Coronavac de “vachina”.
Assim, é aqui (nesse contexto político) que eu vejo o meu
uso de palavras como “viado”, “baitola”, “boiola”, “bicha”,
etc. como útil. O meu objetivo
ao usar essas palavras como algo “normal” é fazer a minha
parte pra moldar o significado dessas palavras na direção de
algo que me é bom. O objetivo é “esvaziar” o significado
ruim dessas palavras. Se vai funcionar eu não sei; mas eu
acho que eu construí uma “motivação teórica” bem aceitável
pra me convencer de que deveria =)
Bônus: Um pouco mais sobre as palavras e seus significados
Tem muito mais pra falar sobre “palavras” e
seus significados. Esse
é um assunto que quase não tem fim! Aqui, eu só quero comentar
sobre duas coisas que, ao escrever essa postagem, e discutindo
com amigos, acabaram me parecendo interessantes.
Primeiro,
palavras às vezes ganham significados novos porque “se confundem”
com outras palavras. Por exemplo, “óptica” normalmente se refere
à visão, e ao longo do tempo se tornou “ótica” (pelo menos pras
pessoas normais – os estudantes/professores de física não contam
como normais). Ela também mudou “internamente” com o tempo: de
“área que estuda a visão”, a palavra eventualmente
ganhou o significado de “loja que vende óculos”. Só que o problema
é: “ótica” já era uma palavra, e se referia ao ouvido
(por exemplo, “nervo ótico” é um nervo do ouvido). No fim, o
que acaba acontecendo é que
o contexto (denovo!) é o que determina o significado de
“ótica”: em contextos normais, provavelmente significa “loja”;
em contextos técnicos, provavelmente significa “do ouvido”.
Segundo (e relacionado ao primeiro ponto), é interessante se
perguntar por que “óptica” virou “ótica”. O motivo é algo bem
simples: com o tempo, as línguas passam por “mudanças sonoras”,
que mudam os sons das palavras, e que acabam refletidas na
escrita. No caso, o português adora jogar fora sons desnecessários.
Assim, insectus virou insecto e eventualmente inseto;
venatus virou veado; e Iacobus virou Iago (e também
virou Jacó – essa história é meio complicada, mas sim: os nomes
Iago, Tiago e Jacó vieram da mesma palavra).
O ponto é: palavras surgem de formas muito diferentes, às vezes
através de mudanças sonoras aplicadas só em certas ocasiões
(exprimere virou exprimir e espremer, ou
attribuere virou atribuir e atrever), às vezes porque
são importadas de outra língua (fiasco significava “garrafa”
em italiano, mas mudou de significado de forma
não-muito-bem-explicada
e eventualmente foi importada com esse novo significado pro
português), às vezes simplesmente por alguma razão cultural
(como, por exemplo, “tchuchuca” agora voltou a estar em voga
significando “o complemento de tigrão” lol;
ou “show” e “jóia” passaram a significar “bom”?5)
ou aleatoriedades da vida
(como, sei lá, programas como o Firefox ou o Internet Explorer
são – eram? – chamados de “navegadores”).
Pra terminar,
fica aqui (porque um amigo me mandou esse video faz pouco),
a palavra “foda” sendo usada com o significado de uma comida:
o “cordeiro à moda de monção”:
Notas de Rodapé
Sim! Existem viados conservadores. Isso não é um oxímoro =P (mas eu não vou entrar nesse assunto nessa postagem) ↩
Infelizmente, eu não o achei em Português. O nome é algo como “Um Guia de Usuário pro Pensamento e o Significado”. É um livro bem amigável sobre como a gente processa as palavras. ↩
Eu fiz esforços pra escrever isso de uma “amigável” à totalidade do espectro ideológico, permitindo à direita dizer “homem é um portador dos cromossomos X e Y”, e à esquerda dizer “homem é quem se identifica com o gênero masculino”. Ainda assim, a minha opinião é de que o debate (civilizado) sobre o significado dessa palavra (ou seja, sobre o que signifique “ser homem”, e sobre como isso esteja alinhado às nossas possibilidades tecnológicas atuais) é justamente parte do que a gente chama de “progresso”. ↩
Pra falar do Ernesto Araújo, eu peguei notícias do R7 pra tentar agradar ao leitor Bolsonarista. O Bolsonaro normalmente trata duas empresas de notícias como bastante confiáveis: a Jovem Pan, e a R7 (empresa de notícias do Bispo Macedo, da Igreja Universal). ↩
Dois amigos meus me passaram um monte de palavras (muitos dos exemplos dessa postagem são fruto da conversa com eles). Por exemplo, “Raiz” (em oposição a “Nutella”) pra algo “originalmente bom”; ou “terrific”, em inglês, que significa “formidável” (mas originalmente significava “muito assustador”); ou “bomba” (que muito mais corriqueiramente na cabeça de um gaúcho significa “o canudo usado pra tomar chimarrão”). De fato, “curtir a cuia” é um procedimento específico relacionado ao chimarrão que não tem nada a ver com “achar algo legal”; e “legal” é algo “bom”, e não algo “relacionado à lei”. Mais nos últimos tempos, na cibercultura inglesa tem coisas como “Chad” ou “Karen”, que são nomes de pessoas usados pra se referir a uns estereótipos típicos dos EUA (mais ou menos como o “tio do Churrasco” no Brasil). ↩
Essa semana eu “declarei” que seria “férias” pra mim. Desde que eu comecei o
doutorado eu ainda não tirei um tempo que eu pudesse chamar de “férias”, e,
como essa semana todo mundo do laboratório resolveu viajar, eu resolvi
também tirar uns dias “de qualidade” pra fazer “o que eu quiser”.
Inicialmente o objetivo era ler uns artigos (o que ironicamente seria até que
útil pro meu doutorado), mas daí o meu irmão me comentou da última live
do Bolsonaro em que se defendia o voto impresso (ou, como o Bolsonaro
prefere propagandear, o voto “democrático”). Como a live é cheia de bobagem,
eu resolvi responder a algumas delas aqui.
Primeiro, a live propriamente dita:
(A live começa de verdade aos 45min)
Então… existe um conjunto enorme de bobagens sendo ditas o tempo todo.
Meu objetivo aqui é focar no assunto principal: o voto impresso.
Entre 45min~1h05 ele diz mais de uma vez (por exemplo, aos 58:57“por que querem manter tudo secreto?” ou, aos 1:00:00“por que o
presidente do TSE quer manter a suspeição sobre as eleições?”, ou,
ainda, depois,
aos 2:10:47“repito, quem tirou o Lula da cadeira, quem o tornou
elegível, é quem vai contar os votos lá no TSE numa sala escura”)
que o voto é contado “numa sala secreta/escura” no TSE.
Isso NÃO É VERDADE: a contagem dos votos é feita “às
claras”. A contagem dos votos é a parte mais segura do nosso processo
de eleições. O negócio funciona da seguinte forma:
ao término da eleição, cada urna gera um “extrato” que é colado
pelos mesários na porta da seção eleitoral. Os números desse extrato
podem ser conferidos por qualquer cidadão que for à seção eleitoral,
incluindo os representantes dos partidos. Os números desse extrato também
vão para o site do TSE, e podem ser acessados por qualquer pessoa.
É só clicar
nesse link
e clicar em “Resultados” à esquerda. Aí dá pra escolher o ano da eleição
e o estado, e baixar um arquivos .zip contendo os resultados de todas
as urnas.
(como são os votos do estado inteiro, os arquivos são bem grandes. Aqui eu to mostrando alguns votos de Guaíba)
Esses números são os números que, quando somados todos, indicam
quantos votos cada candidato recebeu.
Em outras palavras, isso significa que a contagem dos votos é feita
“às claras”, pra todo mundo ver, de forma que qualquer um com os recursos
necessários possa reconstruir a contagem de votos do seu candidato.
Por exemplo, se o meu objetivo fosse contar os votos de Guaíba, eu
poderia combinar com uns 20 amigos de a gente passar em todas as seções
eleitorais da cidade depois da eleição e tirar foto dos “extratos”
colados na porta de cada seção eleitoral. Aí eu posso somar os números
de todas as urnas e vou saber quem ganhou a eleição. Daí eu também posso
conferir no site do TSE se as fotos que eu tirei batem com os números
do site. Se não baterem, é porque houve fraude na contagem. Em princípio,
eu posso inclusive saber qual urna teve fraude.
Baseado na explicação acima, é possível inclusive dizer que o TSE
nem “conta” os votos: ele só agrega os números de cada seção eleitoral.
Assim, em princípio, cada partido tem o poder de verificar se houve
fraude na contagem dos votos, e tem como inclusive provar que a contagem
de uma certa urna foi manipulada. Em outras palavras, é
ABSOLUTAMENTE IMPOSSÍVEL
(ou, pelo menos, absurdamente difícil) manipular a contagem daquilo que
_sai_ das urnas, e, portanto, não faz sentido falar nesse tipo de
manipulação. O que não é lá tãããão seguro, na verdade, é o que
_entra_ nas urnas (mais sobre isso abaixo).
Isso significa, em ainda outras palavras, que enquanto as “evidências” que ele
levanta entre os 1h37 e 1h53 podem soar um mínimo acreditáveis pra
quem não tem idéia de como a coisa funcione, elas
não fazem absolutamente o menor sentido: se houver alguma dúvida sobre
os números de cada seção eleitoral, basta fazer o que eu disse.
Infelizmente, por outro lado, ainda que seja possível dizer
“houve fraude” ou “não houve fraude” na contagem dos votos, não é
possível “corrigir” a fraude: se houver fraude, tem que começar a
eleição denovo.
Baseado nessa explicação, fica claro que o Bolsonaro tá tá procurando
cabelo em ovo quando ele fala da apuração das urnas de São Paulo.
Oras, se com ~3000 pessoas
o Data Folha e o Ibope conseguem fazer um chute bem educado sobre as
intenções de voto no país inteiro, por que não seria factível que,
com 24000 votos apurados, as percentagens dos votos já teriam convergido
mais ou menos pros números “reais”? (a gente não sabe quais urnas eram
as dos 24000 votos. Se elas estavam em regiões diversas da cidade, então é
bem provável que elas fossem bastante representativas da população
mesmo). Chega a ser cringe ele dizer (aos 2:06:32) que
“é 1 sobre infinito a possibilidade de isso acontecer”.
Em certo momento, o Bolsonaro fala das eleições de 2014, e sugere que,
durante os resultados parciais, quem tava ganhando ficou alternando:
uma hora era o Aécio quem ganhava, outra hora era a Dilma. Bom… sobre
isso eu tenho dois argumentos. Primeiro é que, ainda que algo seja extremamente
improvável, isso não significa que isso seja impossível. Mas eu não
preciso ir tão longe… eu posso usar o meu segundo argumento, que é:
eu não sei daonde o Bolsonaro tirou aqueles dados. Quando eu busquei
sobre isso, eu achei
o site da Folha
dizendo que esse cenário de que
o Bolsonaro fala nunca ocorreu. Eles inclusive linkam pra
essa tabela
indicando que não houve uma alternância tão improvável assim.
Pelo que eu olhei, o site do TSE não tem os dados parciais da apuração
conforme ela foi sendo carregada, e portanto eu não consegui
reconstruir a tabela que o Bolsonaro mostra na live. Honestamente,
dada a minha confiança na contagem dos votos (vide acima), eu acho
bem mais provável que essa alternância seja fake news ou paranóia.
Às ~1h24 o outro cara começa a falar. Ele primeiro mostra como seria
o voto impresso. O sistema parece legal, apesar de um problema que eu
acho bastante ruim:
O que ocorre se a impressora der pau (e impressoras são conhecidas
por isso) no meio da votação? (esse foi, de fato, um dos argumentos
usados pelo STF anos atrás pra
derrubar o voto impresso como inconstitucional).
Mas legal… aí ele segue (1:26) dizendo que só Brasil, Butão e
Bangladesh usam a urna eletrônica. Bem… eu imagino que esses países
devem usar a nossa urna eletrônica; mas tem um tanto de países que usam
votação eletrônica de alguma forma.
É claro que talvez valha a pena olhar quais países são esses
(se bem que note-se que a França e os EUA tem alguns lugares onde
as eleições são eletrônicas), e é claro
que vale a pena discutir se a votação eletrônica é realmente segura.
De fato, eu próprio não sou fã da urna eletrônica também,
e sou totalmente a favor da discussão sobre como melhorar
o nosso processo eleitoral, e inclusive sobre se o voto impresso
seria uma idéia boa pra isso. A urna eletrônica tem sim problemas,
como inclusive
um certo professor Diego Aranha vem há anos alertando.
Ironicamente, o próprio professor retuitou a matéria da folha dizendo
que o
“Bolsonaro usa teorias desmentidas para alegar fraude nas eleições”.
apesar de ele claramente ser
a favor do voto impresso,
ou pelo menos de “alguma forma” de voto impresso.
Meu problema, aqui, portanto, é outro: meu problema é
como o Bolsonaro assume que, na ausência dessa característica
específica, as eleições são “obviamente” fraudadas (ou, pelo menos,
serão fraudadas se ele perder).
Em geral, meu argumento principal de que isso não pode ser verdade
gira em torno da troca de poder: a gente vem vendo, desde o
surgimento da urna eletrônica, uma clara troca de poder: em 2002 saiu
o PSDB, e em 2018 entrou o PSL. No Rio Grande do Sul, por exemplo,
desde que eu me conheço por gente eu não lembro de ter havido re-eleição,
com governadores do PMDB alternando com o PT e com o PSDB.
O próprio Bolsonaro foi eleito com a urna eletrônica, e sem voto impresso.
Se houvesse fraude, seria de se esperar que o mesmo grupo permanecesse
no poder constantemente… e esse não é o caso.
De qualquer forma, o Diego Aranha tem uma palestra interessante onde
ele fala dos problemas da urna eletrônica. Os problemas de que o
Aranha fala são justamente os mesmos problemas que a PF menciona no
relatório sobre o qual se fala bem brevemente às 2:43:00 na live do
Bolsonaro. Esses são os reais problemas com a urna, que precisam
ser melhor considerados, e afetam o que _entra_ na urna, e não
a contagem dos votos. No video (abaixo), o Aranha comenta sobre como
as urnas podem ser adulteradas pra fazer com que os votos registrados
por elas (ou seja, o que _entra_ nas urnas) seja manipulado. Mas
ele nem considera a possibilidade de atacar a _contagem_ dos
votos (que é justamente a parte em que o Bolsonaro parece estar
mais interessado no resto da live), porque ele nem trata isso como
muito factível:
Esse vídeo é legal porque ele desmente umas fake news que vieram
em resposta à live do Bolsonaro. O Guilherme Boulos, depois da live,
postou
um video
em que ele diz:
Além disso, o próprio PSBD, o partido derrotado, pediu uma
auditoria das urnas eletrônicas, que foi feita e demonstrou
que as eleições foram limpas.
Pois bem… basta assistir ao video do Diego Aranha pra compreender
que a auditoria NÃO CONCLUIU QUE AS ELEIÇÕES FORAM LIMPAS, mas sim
que é impossível auditar o sistema, e que, portanto, é impossível
afirmar que as eleições foram fraudadas. (o que não significa que
elas realmente não tenham sido, mas também não significa que
tenham… a gente nunca vai saber de verdade)
Ainda assim, eu quero comentar dois pontos que eu acho relevantes.
O primeiro é que,
se houver fraude nas urnas, e se as urnas ficarem guardadas pra
posterior auditoria, seria em princípio possível verificar
a integridade dos arquivos das urnas fraudadas (mas eu não sei até
que ponto isso seria factível).
O segundo é que, se o número de urnas fraudadas for muito pequeno,
então o número de votos fraudulentos não seria suficiente pra virar
a eleição. Se o custo de fraudar uma única urna for alto, então
isso pode tornar o sistema robusto “o suficiente”.
Aos 1h27 ele mostra um video de um tal de Gederson que fez um
simulador de urna eletrônica. É importante salientar: o código do
simulador NÃO É O CÓDIGO DA URNA ELETRÔNICA REAL, como
ele próprio diz nesse outro video disponível no site do TSE.
Esse Gederson deve ter se incomodado pacarai com esse video no
fim das contas.
Mas o importante é: qualquer coisa que ele diga só é possível
em hipótese, mas ele não tem o código da urna eletrônica, e
portanto não pode afirmar que esses são realmente os problemas
da urna. Chega a ser cringe que o Bolsonaro fale do simulador do
Gederson (aos 1:31:05) como se fosse realmente o que ocorreu
nas últimas eleições =S
Finalmente, um último argumento em que o Bolsonaro insiste é o
de que os mesmos que tiraram o Lula da cadeia vão contar os votos.
Bem, como eu já falei antes, o TSE não “conta” os votos, e essa
contagem não acontece em uma sala nem secreta nem escura. Seria
muito engraçado imaginar os almofadinhas do TSE sentadinhos numa
sala chaveada, iluminada só com uns abajurs, cada um com uma urna
no colo, e um bloco de notas somando os resultados das urnas.
É óbvio que isso não ocorre.
Mas digamos que eles tivessem algum poder sobre a contagem dos
votos. O argumento do Bolsonaro até poderia parecer fazer
sentido, mas só se a gente desconsiderasse que o Bolsonaro na
verdade sempre ficou bem quietinho sobre o Lula sair da cadeia.
O Bolsonaro foi quem colocou o Augusto Aras no Ministério Público,
cuja grande tarefa (que ele cumpriu muito bem obrigado) foi
justamente acabar com a Lava Jato. De fato, o Bolsonaro se
beneficia da presença do Lula nas eleições, e só tem o perigo de
ir a segundo turno somente se concorrer com a rejeição forte que
uma grande parte da população tem ao petismo.
Mas legal, mesmo que nada disso fosse verdade, ou que nada disso
fosse realmente relevante,
é importante lembrar que não é o STF (que tirou o Lula da cadeia)
quem conta os votos, mas sim o TSE. Claro que o TSE é composto
em parte por alguns ministros do STF… mas só em parte: tem
vários outros ministros que não tão no STF). E mesmo que fosse
só composto por gente do TSE,
a Folha explica isso de forma didática:
Além de Luís Roberto Barroso, que ocupa o cargo de presidente
do tribunal eleitoral até fevereiro de 2022, também são
integrantes titulares, pelo STF, os ministros Edson Fachin e
Alexandre de Moraes, e, como substitutos, Ricardo Lewandowski
e Cármen Lúcia.
Dentre eles, apenas Lewandowski foi favorável à decisão que
determinou que o cumprimento de pena em segunda instância só
ocorreria após o esgotamento de todos os recursos – o que
resultou na soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Os outros cinco ministros do STF que apoiaram essa mudança não
são membros do TSE.
De resto…
No meio desse tempo todo, ele diz tanta groselha que eu não
me segurei e vou ter que responder algumas aqui:
1:00:20“sou atacado 24h por dia. Matéria do Globo: Bolsonaro deu 1682
declarações falsas ou enganosas em 2020, aponta relatório de ONG internacional.
Qual a comprovação disso? Tentar desacreditar o presidente? Dizer que ele não
tem autoridade? Ou com a nota do Supremo Tribunal Federal de ontem, que eu fui
omisso, dando a entender, às margens, que eu sou um genocida?”
1:15:25“Tantos me acusam de ditador. Tantos me acusam de ser
violento. Eu estou demonstrando, desde quando assumi, que em nenhum
momento, como aquele outro que quer chegar ao poder sempre falou,
[quis] o controle social da mídia. Não tem uma ação minha contra a
mídia. Muito pelo contrário: tem ações da mídia contra mim.”
Bem… a nota do STF a que ele se refere é a nota em que o STF diz que
uma mentira repetida mil vezes não vira uma verdade,
explicando pela enésima vez que o STF NÃO TIROU o poder do Bolsonaro
de agir durante a pandemia (o que o Bolsonaro gosta de mentir que
ocorreu), e que, sim, se não agiu, é porque foi omisso mesmo.
Quando ele fala da mídia: a mídia tem justamente o dever de falar
mal do Bolsonaro e mostrar as inconsistências de seu comportamento.
Se ele é “atacado” pela mídia, é porque ele justamente tem atitudes
problemáticas quase todo santo dia, como quando ele chamou (múltiplas
vezes) o Coronavirus de “gripezinha”, quando ele respondeu
“não sou coveiro”
ao ser perguntado sobre as mortes por Corona, quando ele resolveu
colocar um militar da ativa no ministério da saúde, quando ele
instigou manifestações contra o congresso e o STF durante a
pandemia, quando ele disse que
“tem que deixar de ser um país de maricas”
ao se referir às mortes por Corona, etc, etc, etc…
Mais do que isso, ainda que o Bolsonaro seja “comportado” contra os
jornalistas (ele é até “agressivo”, mas não bate em ninguém, por exemplo),
os seus seguidores sempre têm o perigo de ir mais longe do que ele.
É porque ele instiga mau-humor contra a mídia, que
jornalistas nas ruas acabam sendo atacados por pessoas aleatórias que acham que tão com a razão.
(A mídia tem o direito de gravar ambientes públicos, e – mais
importante – a mídia conta como “serviço essencial” e é um dos
poucos grupos que sim tem que ter o direito de estar nas ruas em
todos os momentos.)
Em outras palavras: o Trump não precisou ir em pessoa até o capitólio
pra que as pessoas, instigadas por ele, fizessem baderna por lá.
O Bolsonaro consegue muita violência contra os jornalistas sem
levantar (ele próprio) um dedo contra os jornalistas.
1:05:38“Tentam a todo momento imputar atos de corrupção em
hipótese onde não se gastou um centavo com aquela vacina. Nada se
pagou por ela.”
Pois bem… então, se eu tentar matar uma pessoa e ela fugir viva,
eu não cometi crime nenhum? Na lógica estapafúrdia do meu presidente
aparentemente a resposta é sim.
E mais… parece que a errada seria a pessoa por me reportar pra
polícia, tentando “imputar atos” criminosos “em hipótese” contra mim.
1:01:00 O Brasil foi um dos países que melhor se saiu na economia durante a pandemia
58:25“falemos o que acontece na Argentina. Esse regime que esse cidadão
defende não deu certo em lugar nenhum no mundo;
ou depois, 1:02:25“Olha o que está acontecendo na Argentina! Estive lá em 2019 e
falei, com muita crítica, falei: se a esquerda voltasse na Argentina, temos
que pensar uma operação acolhida no Rio Grande do Sul”
Me incomoda ele atacar a Argentina gratuitamente. O país é o nosso
melhor amigo. O Brasil vai pagar muito caro por virar as costas
pro nosso melhor amigo regional =/
1:04:15“Vejo que alguns desses criticaram alguns militares do
meu lado dizendo que isso não é uma questão pra nós tratarmos, é
uma questão política. Não!”
Com esse tipo de declaração o Bolsonaro basicamente declara que
os militares têm legitimidade de “intervir” se o voto impresso
(que não existiu nos últimos 25 anos, o que nunca foi um grande
problema pra eles até então) não for aprovado na câmara. O
nome disso é golpismo =/
2:32:26“E a vacina não deve ser obrigatória. Quase nada tem que
ser obrigatório no Brasil. Se o congresso votar uma lei nesse sentido
é outra história. Primeiro que eu veto, mas se o congresso derrubar o
veto (que a última palavra pertence ao parlamento) a gente respeita.”
É isso. O objetivo era só ter algum lugar pra onde eu pudesse apontar
as pessoas quando elas me viessem com estórias de “fraude” nas eleições.
Se houve fraudes, as fraudes foram anteriores à votação, e afetaram
um número específico de urnas (e não a contagem – como ele tenta
insinuar em vários dos causos de “indícios de fraude” que ele levanta).
Não existem fraudes na contagem, e a contagem não é feita “numa sala
escura / secreta” no TSE. Se houver fraude nas eleições, elas ocorreram
naquilo que entra nas urnas (de fato, aqueles exemplos de Caxias me
pareceram bem suspeitos, e, vejam só, a auditoria levou à conclusão de
que realmente os arquivos das urnas foram modificados – o que, pra mim,
é a prova de que a fraude foi descoberta). Ainda assim, há evidências
de que as fraudes, se ocorreram, não foram suficientes: tem havido troca
de poder constante desde a introdução das urnas eletrônicas.
Era isso… agonia infinita do que eu acabei de ver…
Há poucos dias, em uma conversa de internet, eu usei a expressão
“Inglês Indiano” pra me referir a características específicas do
inglês usado por pessoas da Índia. Na situação, eu estava em meio a pessoas
que eu entendo terem uma orientação política pendente à esquerda (isso é
relevante para entender alguns dos meus argumentos a seguir). Algumas pessoas
questionaram o uso da expressão e sugeriram as seguintes possibilidades:
Que essa seria uma expressão racista
Que seria melhor se referir a isso como “offshore English”
Que se existe algo como “Inglês Indiano” então deveria haver algo como “Inglês Brasileiro”
Meu objetivo com essa postagem é argumentar contra esses três pontos. Como a
conversa não se seguiu (logo um outro acontecimento tomou lugar da discussão),
eu sinto que tem o perigo de essas pessoas permanecerem acreditando nesses
pontos, o que eu acho bem problemático (e justamente racista).
Inglês Indiano não é uma expressão racista
Tipo… de fato, não teria como ser. Bem “por definição”, a expressão não
tem absolutamente qualquer relação com raça. As pessoas etnicamente indianas
que cresceram nos EUA não falam Inglês Indiano. Um japonês que crescesse na
Índia falando o Inglês do país estaria falando Inglês Indiano. A etnia de
alguém é uma característica absolutamente independente da caracterização
dessa variedade de Inglês.
Mesmo assim, seriam “Inglês Australiano” ou “Inglês Britânico” expressões
racistas sob essa mesma lógica? Me pergunto se alguém sugeriria que é
racista falar em “Inglês Sul-Africano”.
Pelo contrário, eu diria que negar à Índia a possibilidade de possuir um
“Inglês” sim seria preconceituoso (ou racista?). A diferença entre, por
um lado, a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá, e por outro, a Índia, o
Paquistão e as Filipinas (todos os quais têm o Inglês como língua oficial
mas somente alguns dos quais têm um Inglês “reconhecido”) poderia ser a
“raça percebida” das suas sociedades? Talvez, mas eu não acredito nisso.
Na verdade, em vez disso, eu
prefiro acreditar que a diferença entre esses dois grupos de países é a sua
“relevância econômica”: se de repente, a partir de amanhã, a Austrália
decidisse (e, aliás, de fato já o faz) que o seu Inglês agora é diferente,
e que pra estudar em suas Universidades ou fazer negócio na Austrália
uma pessoa precisaria passar num teste de “Inglês Australiano”,
todo mundo abaixaria a cabeça e aceitaria que “Inglês Australiano” é
“diferente”. Ninguém gostaria de deixar de fazer negócio com a Austrália
por causa de uma teimosia sem sentido. Mas se por outro lado amanhã o
Paquistão resolver fazer o mesmo talvez haja muitas gente (e muitas
empresas?) que simplesmente prefira não entrar no Paquistão.
Racismo, portanto, me parece não fazer sentido nessa discussão. Volto a
isso nos próximos pontos…
“Offshore English” é uma expressão do capeta
Aqui vem o meu motivo pra ter dito que a orientação política das pessoas
ao meu redor era à esquerda. Eu acho curiosíssimo (!!!) que alguém com essa
orientação política tenha preferido usar essa expressão especificamente,
em vez de “Inglês Indiano”. Offshore English não é uma expressão “de
lingüista”1. Offshore English é expressão do “ambiente corporativo”. Pra mim
isso é tão bom quanto “alinhar”, ou “fazer um sync”, ou qualquer uma
dessas coisas que dizem nas empresas.
E a expressão inclusive não captura o significado real da coisa. A não
ser que seja instruído para isso, Indiano em geral não fala
“Offshore English”. Tem um monte de características do Inglês Indiano
que não são “standard” em outros Ingleses e que não são “simplificações
pra todo mundo poder se entender”. Deixa eu dar dois exemplos…
Exemplo 1: digamos que eu seja colega de um indiano em um curso na
Universidade e tenha esquecido de fazer a lição de casa. Quando eu chego
na aula, o indiano me pergunta did you do the homework?. Ao responder
No, I didn’t, ele me responde even I didn’t do the homework. O que
isso significa? Em “Inglês Standard” isso significaria algo como
“normalmente eu teria feito o; mas dessa vez até eu não fiz o tema”.
Porém, no Inglês Indiano, “even I” significa simplesmente “eu também”.
Ele não é mais nerdola que eu… só falou algo de acordo com o seu
próprio dialeto.
Exemplo 2: digamos que agora eu e ele tenhamos dividido a lição de
casa e cada um de nós decidiu fazer uma das perguntas. Na dúvida, eu
pergunto Ok… I’m gonna answer the question number 1, e ele me
responde com yes, do that only (em vez de algo como
“yes, just do that”). Esse “only” no fim da frase é mais uma
característica comum do Inglês Indiano. Não é “standard”, e tem gente
que até desgosta disso. Pra mim é uma tradução direta de hin em
Hindi, que significamente normalmente “somente”, mas é justamente
usado pra fazer ênfase (como nesse caso).
Meu ponto, portanto, é: Offshore English não é Inglês Indiano.
Se existe algo como “Inglês Indiano” então deveria haver algo como “Inglês Brasileiro”
Bom… aqui eu vou dizer que sim… concordo que deveria existir
algo como um “Inglês Brasileiro”.
E de fato provavelmente até mesmo exista gente que estude
uma “categoria” de “Inglês Brasileiro”. Os sons da nossa primeira língua
e o modo como as pessoas à nossa volta falam Inglês definitivamente
têm um efeito no nosso próprio Inglês. Mas eu acho que não é verdade
que “se existe um deveria existir o outro”.
Eu creio que esse argumento seja em parte o resultado de
não-conhecimento sobre a história Índia (não que eu seja algum grande
conhecedor do assunto, por outro lado). É ignorar que a Índia foi
ocupada por ~200 anos pelos britânicos (e só ficou independente em
1947). Que a burocracia estatal da Índia (e do Paquistão, de fato)
é toda ou em Inglês ou traduzida eventualmente pro Inglês. Que
as Universidades dão aula exclusivamente em Inglês, e que o Inglês
funciona como língua franca em regiões onde não se fala Hindi (como
no sul).
Alguém poderia argumentar: “ahh, mas eles também têm outras línguas
oficiais”. De fato, a Índia tem ambos o Hindi e o Inglês como línguas
oficiais (sem contar as línguas regionais, que são muitas);
o Paquistão também fala Urdu (denovo, sem contar um monte de outras
línguas regionais); e as Filipinas falam Filipino. Mas e daí? Eu não
vejo ninguém questionar a legitimidade do espanhol Paraguaio só
porque o Paraguai também dá ao Guarani status de língua oficial; ou
o espanhol Boliviano só porque o Estado é “plurinacional” e (pelo
menos supostamente) eleva ao mesmo patamar o Espanhol e as línguas
indígenas da região. E
eu não vejo ninguém questionar o Inglês Canadense só porque eles
também reconhecem o Francês como língua nacional.
Pelo contrário, eu acho que uma outra boa parte do motivo pelo qual
“Inglês Indiano” soa “racista” é justamente o racismo de quem
ouve a expressão. Inglês Indiano é justamente o “termo neutro”.
Colocar o Inglês Indiano “dentro do mesmo saco” de outras variedades
é, na minha opinião, deslegitimizar o direito do Indiano de chamar o
seu Inglês de seu.
(pela minha argumentação acima, pode parecer que eu defenda a
existência de um “Inglês Paquistanês” também. Aqui eu acho que o
buraco é um pouco mais embaixo, mas a resposta curta é “talvez”)
Notas de Rodapé
De fato, a literatura é cheia de artigos usando justamente a expressão “Indian English”, como dá pra ver na própria Wikipedia. ↩
(Lembrete: como discutido início da
parte 1,
essa postagem se restringe a usar como fonte mídias bolsonaristas)
Essa postagem é meio que um “interlúdio”. Eu quero comentar sobre como
é difícil definir bem o que exatamente deveria contar como “mídia
bolsonarista”.
Como eu expliquei na primeira postagem dessa série,
eu to tentando usar somente “mídias bolsonaristas” pra explicar por que eu
acho o nosso atual governo absolutamente incompetente. A minha idéia não é
ser necessariamente “anti-Bolsonaro”, mas sim “anti-incompetência”… e é
só uma infeliz “coincidência” que o governo Bolsonaro seja um governo
incompetente.
Como eu também expliquei na primeira postagem,
eu comecei a escrever essas postagens por causa de uma pessoa próxima que
eu conheço. Deixa eu nomear essa pessoa: de agora em diante eu vou chamá-la
de “Fulano”. O Fulano me mandou um vídeo (abaixo) basicamente dizendo que o
Bolsonaro
tinha, desde o princípio, trabalhado pra dar a vacina pro povo (o que é
falso: o Bolsonaro fez tudo o que pôde pra impedir a produção da Coronavac).
Ficou óbvio que ele pensava que o Bolsonaro é um bom governante.
Eu lhe disse que achava que ele tava mal informado, e sugeri que
lesse/ouvisse/assistisse mais Globo, Folha e Estadão1. Foi aí que ele me disse
que não via notícia da TV (Globo, Band) faziam dois anos. Não achava que eram
notícias confiáveis.
(eu vou refutar tudo o que eu puder desse vídeo na última postagem dessa série. Tá tudo errado nesse vídeo)
Aí eu me perguntei “mas então o que que é notícia confiável”. Eu supus que
houvesse algum canal que o Fulano tratasse
como “aceitável”. Eu ponderei o seguinte: o Bolsonaro parece ter uma relação
“cordial” com alguns canais (Jovem Pan, Record e o programa do Datena na
Band, por exemplo). Então provavelmente esses canais sejam canais
“confiáveis” pra essa pessoa. É por isso que as minhas postagens anteriores
usam notícias somente da Jovem Pan e da Record.
Mas será que as notícias dessas mídias são realmente diferentes?
Quando eu olho
as notícias produzidas pela Record ou pela Jovem Pan, eu vejo que as
notícias normalmente contém quase todos os mesmos fatos que as notícias
da Folha ou da Globo. A Record não deixou de noticiar os dois colapsos
que houve em Manaus
(um no ano passado,
e
um nesse ano),
e a Jovem Pan não deixou de noticiar que o Pazuello mudou o discurso quando,
do nada, deixou de falar em
“tratamento precoce” com cloroquina
e passou a falar em
“atendimento precoce”.
Quando eu escrevi as outras postagens dessa série, não foi difícil
encontrar no R7 manchetes basicamente idênticas às da Folha pra maior
parte dos fatos que eu estava buscando.
Ou seja, as notícias produzidas por essas mídias não são lá tão
problemáticas: isoladamente, parece que os fatos são noticiados
direitinho, e todo mundo diz mais ou menos a mesma coisa.
Ok… mas onde tá o problema então? Deixa eu dar o exemplo de um canal
que eu venho seguindo há bastante tempo, e que me deixa cada vez mais
de queixo caído com seu conteúdo.
O caso da Jovem Pan
Desde lá pelo meio de 2019, eu comecei a me impôr uma “dieta” semanal
mais ou menos balanceada de notícias. Nos fins de semana, eu consumo
a Semana da Pan,
“um resumo dinâmico de tudo o que foi destaque na” programação da
Jovem Pan durante a semana que se passou. Nos dias de semana, eu escuto
o podcast Café da Manhã, da Folha de São Paulo (com notícias “de
esquerda”). Com o tempo, eu também incluí alguns outros podcasts:
eu escuto sempre o Xadrez Verbal pra saber
de política internacional, e também o
Roda Viva. Por um tempo eu
escutei o Mamilos, porque eles
pareciam ter umas pautas mais “esquerda-irritante” que eu usava como
um (como elas próprias dizem) “exercício semanal de respeito e empatia”;
mas eventualmente eu os troquei pelo
Viracasacas,
que é igualmente difícil de engolir.
Ultimamente, pra contrabalancear, eu venho consumindo um certo
outro podcast um pouco mais “direitista” (apesar de o objetivo não ser
tão “esquerda” ou “direita”): o
Gamboacast.
Ok… mas o foco aqui é na Jovem Pan. O programa Semana da Pan tenta
ser um “resumo” da programação da Jovem Pan; mas o que ele acaba
sendo de verdade é um grande programa de opinião. O programa
menciona umas 5 ou 6 grandes notícias da semana, e mostra a “análise”
de uns certos “jornalistas” sobre o assunto. A programação semanal da
Jovem Pan tem uns quantos programas de opinião, como o “Morning Show”,
o “Três em Um”, e um “Os Pingos nos Is”. Todos eles são “iguais”:
tem uns “jornalistas” (ou “comentaristas políticos”), e eles
basicamente fazem comentários (a opinião deles mesmo) sobre
entrevistas com gente importante, ou notícias do
momento, ou até tuítes de gente influente.2
A opinião dos comentadores normalmente aponta pra uma certa
“direção” ideológica. Por exemplo, tem comentadeiros que normalmente
são super a favor do governo (como o Rodrigo Constantino) e tem
outros que consideram o governo ruim (tipo a Thaís Oyama).
Assim, esses “comentários” deles são muito previsíveis: se a notícia
é ruim pro governo, o Constantino tenta defender o governo (ele
sempre dá um jeito de dizer que a oposição faz a mesma coisa e,
portanto, ela tá errada), e a Thaís Oyama tenta bater no governo.
E vice-versa.
O efeito que isso tem é que esses programas de opinião contam
uma “história” do mundo pro ouvinte. E é impressionante como as
pessoas esquecem dos detalhes que ficam faltando nessa “história”
(que pode parecer coesa e bonitinha, mas na realidade é cheia de
furos e não é nem de longe real).
As histórias que cada comentarista conta são completamente
independentes das notícias que a Jovem Pan publica no seu site
(que, como eu falei antes,
sao ok, e são bem parecidas com as da Folha ou da Globo).
Deixa eu dar um exemplo.
Eu aleatoriamente peguei qualquer vídeo do Semana da Pan (o primeiro
que apareceu) e busquei por uma opinião do Guilherme Fiúza
(que eu acho especialmente ruim).
Vamos assistir à opinião dele sobre o discurso do Bolsonaro na
Assembléia Geral da ONU (começa aos 6min15):
Basicamente, ele diz que o discurso do Bolsonaro foi ótimo, e
que quem não concorda tá errado. Que o Bolsonaro faz tudo certo,
e todo mundo que discorda está
“desafiados a listar onde
estão, nas ações do Estado no Brasil, a linha autoritária /
nazi-fascista / pouco democrática” de que falam. Ele continua
dizendo que não vão encontrar, porque não existe.
Mas é mesmo verdade isso?
Eu acho que o problema é “o que
conta como anti-democrático”?
Conta como nazi-fascista fazer uma
propaganda na TV com simbologia nazista?
Conta como anti-democrático oferecer
um medicamento que não funciona contra a COVID? (a cloroquina)
Ou conta como anti-democrático
reduzir a representação da sociedade civil em Conselho Nacional do Meio Ambiente?
Ou conta como anti-democrático quando o Presidente do Executivo
participa de protestos contra os poderes Legislativo e
Judiciário, como aconteceu no ano passado? (inclusive com
direito ao Bolsonaro dizendo que não quer negociar nada com
o Congresso)
No fim das contas, a realidade das notícias acaba perdendo a
importância pra quem assiste ao canal. O que importa mesmo é
a história que eles contam. E a loucura é que eles mudam essa
história o tempo todo. Como eu já mencionei na minha primeira postagem,
o Osmar Terra tá há um ano adiando a previsão dele de quando
seria “o fim da pandemia”.
E, importante lembrar, é claro que isso não é exclusivo da Jovem
Pan. O Caio Coppolla fala merda na CNN, e o Rodrigo Constantino
tinha ido pra Record por um tempo.
Ao longo do ano passado, algo que me deixou bastante impressionado
foi que a quantidade de comentadores que são críticos ao governo
na Jovem Pan foi cada vez
mais diminuindo. De cabeça, eu consigo agora rapidamente
pensar em gente como a Vera Magalhães (que foi pro
Roda Viva), o Fefito (que era a voz mais “esquerdopata” do Morning
Show), o Felipe Moura Brasil (que surpreendentemente
costumava ser bastante anti-Bolsonarista no “Os Pingos no Is”),
o Josias de Souza, e a Thaís Oyama. Ao longo dos últimos ~15 meses,
todo esse
pessoal foi desaparecendo do Semana da Pan pra dar lugar a um
certo Guilherme Fiúza, um Marc Souza, um Tomé Abduch
e até uma (ex-atleta chamada) Ana Paula Henkel
(que aparentemente foi bronze no vôlei nas Olimpíadas de Atlanta),
que só têm elogios pro governo e sempre encontram uma desculpa
super esfarrapada pra explicar a incompetência bolsonarista.
Ainda tem quem xingue o governo, mas é bem mais restrito. De
cabeça agora, eu só consigo pensar no Joel Pinheiro da Fonseca;
mas eu acho o trabalho meio “infeliz”: ele tá lá só pra tretar com
o Adrilles Jorge, uma pessoa que só fala merda, e acaba fazendo com
que certas opiniões que não deveriam nem ser levadas a sério acabem
recebendo uma importância bem maior do que elas merecem.
Alguém poderia estar lendo isso e pensando
“tá, mas, e daí?”. Eu acho que essa “guinada” tem um efeito
interessante
em quem só assiste à Jovem Pan: a pessoa passa a achar que o que os
comentaristas dizem no canal é “o consenso”. Como as vozes
discordantes foram sumindo, quem só assiste ao canal acha que todo
mundo concorda com o que é dito ali. Se eu não consumisse outras
mídias (como a Folha e a Globo), eu acharia que o governo
Bolsonaro nem é tão ruim assim, e nem saberia dos problemas que
ocorrem no país. Por exemplo, em Dezembro houve
um vazamento de dados do Ministério da Saúde contendo informações sobre 243 milhões de brasileiros (vivos ou mortos),
mas isso não foi notícia na Semana da Pan, e eu só soube através
do Estadão.
Voltando ao Fulano
Ok, mas qual o efeito que esses programas de “opinião” têm na
opinião final do Fulano? A resposta pra isso é complicada.
Tipo… eu acho que o Fulano na verdade não
acredita em mídia nenhuma. Eu acho que ele não só não assiste
à Globo e não lê a Folha; mas também não assiste à Jovem Pan ou à Record.
Eu acho que o Fulano não acredita nas notícias. Eu acho que na
cabeça dele se instaurou um estado de completa desconfiança quanto a
qualquer mídia. Esse estado é muito problemático, porque eu creio
que são justamente as notícias que ele deveria consumir.
Eu acho que o Fulano, então, passou a só consumir “opiniões”.
A idéia seria a seguinte. Em vez de fazer como eu,
que fico consumindo tanta notícia de tudo que é lado, tentando
ter uma “dieta balanceada” de notícias da esquerda e da direita,
o Fulano não vê quase nada de notícia.
De vez em quando, ele provavelmente recebe “informação” em grupos do
WhatsApp, vindas de amigos em quem ele confia, com frases como
“Assista antes que apaguem. Aqui está a verdade sobre as vacinas”.
Nesses vídeos, alguém fala alguma groselha sem apresentar fontes,
mas com muita veemência (como o Guilherme Fiúza ali em cima).
Essa groselha, inclusive, tem chance de ter sido produzida
justamente num canal como a Jovem Pan ou a CNN.
Com um senso de “evangelismo”, de que a “verdade” foi revelada ao
Fulano e agora ele tem o dever de ensiná-la a todos os que não a
conhecem, o Fulano publica essa informação em outros grupos de
WhatsApp, e o ciclo continua.
Como o Fulano tá desinformado (porque não consome notícia), ele
não consegue discernir o que é verdade e o que é pura groselha.
Um lugar muito louco onde todas essas “verdades” se acumulam é
(pasmem) o canal do Youtube do Bolsonaro. Aquilo é quase um
fã-clube: tem um monte de vídeos só contando uma
história que ignora todos os problemas e mostra o Bolsonaro como
uma pessoa maravilhosa / boa / competente (tem inclusive as
lives do Bolsonaro e as entrevistas do Bolsonaro com o Datena,
que, novamente, disseminam uma quantidade enorme de groselha).
Um belo dia o Fulano encontra o canal do Bolsonaro, e começa a
consumir toda aquela lambança. É claro, todo dia novas “verdades”
vão também sendo produzidas (que nem precisam se encaixar
perfeitamente no resto da história, contanto que os detalhes
fiquem esquecidos), pra manter a pessoa naquela realidade.
Pronto… dali em diante, o Bolsonaro tem o controle da
“realidade” em que aquela pessoa vive.
Assim, no fim, o que conta como “mídia bolsonarista” acaba se
tornando muito difícil de responder. Os próprios bolsonaristas
não têm uma “lista” de “fontes confiáveis”. Só que existe uma
lista de mídias que falam bem do governo, e esses vídeos
(especificamente só esses vídeos) são respostados no canal do
Bolsonaro. É como se o Bolsonaro desse um “selo de qualidade”
pra esses vídeos… como que dizendo “a mídia mente, mas dessa
vez eles não tão mentindo”. Por “acaso”, esses vídeos normalmente
vêm dos mesmos veículos de comunicação (Jovem Pan, Record News,
Datena). Pra mim, esse é o mais próximo que eu consigo chegar
de definir o que seriam as “mídias bolsonaristas” de que eu
fico falando aqui.
Como eu disse, as notícias produzidas
por essas mídias são ok; mas as opiniões disseminadas por elas
não. É uma dinâmica muito
louca… e esse foi o meu esforço pra explicar a bizarrice dela.
A minha crença, no fim das contas, é de que, pra conseguir
combater esse tipo de desinformação, é necessário que as pessoas
consumam mais notícia de mais fontes, e não menos,
como muita gente pensa que deveria.
Notas de Rodapé
Por que Globo, Folha e Estadão? Basicamente, porque o objetivo era “equalizar” um pouco “pra esquerda” o viés que o Fulano tava recebendo de um jornal como esse do vídeo acima. Todos os jornais omitem alguma informação e tentam entregar “mastigadinha” alguma história da realidade. Mas cada jornal omite uma coisa diferente. O vídeo ali é de uma emissora catarinense filiada à Record, que segue a mesma “historinha” da Record. Se o Fulano consumisse um pouco mais da Globo, provavelmente apareceria uma outra história que também faz sentido, mas que “conflita” com a historinha da Record. Nenhuma necessariamente “mente”, mas cada uma “distorce” os fatos pra que eles se encaixem na historinha que elas querem contar. Esse é o jogo aqui. ↩
Eu acho exagerado chamar de “jornalista” essa gente que só dá comentário na TV. Pra mim essa gente é só “pitaqueira”… só “fazedor de tititi”, só “velha futriqueira”. Por isso, daqui pra frente, eu não vou chamá-los de “jornalistas”, e sim de “comentadores”. ↩