Quarentena e Donkey Kong Country 2

Estamos em Março de 2020, e o coronavirus se tornou aquilo sobre que todo mundo fala o tempo todo, nas rádios, nos podcasts, na TV, no Youtube, nas notícias, e na vida real. No momento, existem 53340 casos registrados na Alemanha (nos últimos dois dias ela registrou na faixa de 6000 casos por dia) e 3477 casos registrados no Brasil (nos últimos dias os casos no Brasil meio que estabilizaram, mas isso é provavelmente um artefato de que o Brasil só tá testando casos mais graves). Inclusive ouvi dizer que a UFRGS pretende começar a testar bastante nos próximos dias, e aí a gente deve talvez ver o número de casos em PoA explodir. Apesar de tudo, o nosso presidente, preso a uma ideologia absurda, quer pregar que isso é só uma gripezinha ou resfriadinho.

Bom… nesse meio tempo, eu venho ficando em casa (porque, bem, felizmente, eu posso, porque minha ocupação não precisa de nada além do meu próprio computador). Criei um “ambiente de trabalho” no meu quarto, e venho tentando fazer aquilo que tenho que fazer. Infelizmente, a minha produtividade (como é normal pra todo mundo que não tá acostumado com uma nova rotina) caiu. Assim, eu comecei a fazer umas “outras coisas”: aprender japonês, ler um livro, assistir um animê ou jogar Donkey Kong Country 2.

Donkey Kong Country 2 é um desses jogos que eu termino numa sentada. É um jogo fácil de virar. Eu já virei tantas vezes que nunca é um desafio ir até o final. Não sou o bonzão que faz speedrun, mas jogo benzinho até. O que eu nunca tinha percebido (e que comecei a notar agora, enquanto jogava) é como o jogo introduz em cada fase uma mecânica nova, um detalhezinho novo que torna o jogo mais divertido e interessante. Tipo… o jogo inteiro é assim: literalmente cada fase introduz uma idéia nova. Deixa eu mostrar o que eu quero dizer.

A primeira fase começa num barco, e, bem, no começo, tudo se desenvolve de uma forma muito parecido com o que é descrito nesse video aqui:

Deixa eu tentar explicar o video sem fazer o leitor investir (e não perder! porque o video é maravilhoso) 19min de sua vida: o próprio jogo ensina ao jogador o que fazer e como o jogo funciona. Por exemplo,

Por exemplo, a primeira fase começa bem à esquerda e, notando que é impossível ir pra esquerda, o jogador tenta ir pra direita. E aí ele vê uma porta. E se ele tenta entrar na porta ele descobre que certas portas podem ser acessadas. E dentro da nova sala que aparece tem uma vida; mas a vida não tá próxima ao chão… então o jogador acaba apertando alguns botões e descobrindo que se pode pular com B. Aí quando ele sai da porta, encontra bananas e vê que elas podem ser coletadas. E logo depois ele encontra um ratinho e, se não faz nada, ele morre, aprendendo que tem um conjunto limitados de vida. Felizmente, ele tinha acabado de encontrar uma vida, então tudo bem. Quando ele encontra o rato denovo, ele agora pode tentar pular sobre o rato, descobrindo que isso o mata. Imediatamente depois rato ele encontra um barril, de onde um som de macaco vem, indicando que provavelmente seja possível fazer algo com o barril. Mas até agora a única coisa que ele sabia fazer era pular. Se o jogador tentar o Y ele pode descobrir que dá pra pegar o barril… e quando ele o solta, ele descobre que no barril tinha um outro personagem. A fase inteira funciona assim. De fato, mais pro fim da fase, o jogador encontra a letra “A” desenha em bananas, junto com uma moeda que fica muito alta para pegar com o pulo. Quando o jogador aperta A, ele descobre que um dos macaquinhos pode subir na cacunda do outro, e dessa forma também é possível atirar os macacos mais ao alto. Tudo maravilhosamente pensado pra tornar o jogo fácil de aprender, mas ainda desafiante.

MUITA coisa é introduzida nessa primeira fase: as letras “K”, “O”, “N” e “G”, que, quando coletadas (nessa fase é super fácil coletá-las) te dão uma vida; o barril que “salva” o meio da fase, o rinoceronte (cujo nome é Rambi) como um “amiguinho”, junto do qual aparece a letra “A” novamente desenhada em bananas (indicando que ele tem um “poder especial” quando se segura o A), uma seta em bananas apontando para uma porta fechada, dando a entender que tem algo ali que precisa ser “desvendado” – o que interessantemente e não por acaso acaba introduzindo os “bônus” do jogo). a moeda DK bem à vista pra pegar, a placa indicando que o rinoceronte não pode passar dali, e, finalmente, o fim da fase (meio análogo ao primeiro Mario).

Mas pra mim o que torna essa discussão interessante é o que se encontra a partir da segunda fase. Na segunda fase, logo no começo, aparecem cordas nas quais os macacos podem trepar.

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Além disso, lá pelo meio da fase, aparece pela primeira vez uma bola de canhão, e, logo depois, o canhão, meio que sugerindo que se pode pôr a bola de canhão no canhão.

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Aí vem a terceira fase, Gangplank Galley. A essa altura, o jogador já sabe que existem bônus espalhados pelas fases, e que é bom explorar. Então fica fácil adivinhar que deve ter um em cima dos barris no começo da fase. E é aqui que o jogo introduz as abelhas, em que não se pode tocar, e, especialmente, a abelha vermelha, que não morre de forma alguma.

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O jogo não pára por aí: agora tem jacarés que pulam! E, mais pra frente, pra pegar o K, o jogador encontra pela primeira vez um gancho. A fase inteira, aliás, a partir dali, passa a conter ganchos em todo o lugar. Ela segue então introduzindo o jacaré maromba, que não morre com “ataques comuns”, e o barril que deixa o jogador invencível por alguns segundos. Pra terminar, o jogador finalmente percebe, ao fim da fase, que o sol foi se pondo… um detalhe que só surge aí.

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Aí vem a quarta fase, onde o jogador entra pela primeira vez numa “fase de água”. É claro, todos os inimigos são novos aqui, e é engraçado ver como a piranha (que te ataca quando tu chega perto) vem beeeem devagar, dando tempo do jogador aprender o que ela faz. Mais pro fim do jogo ela fica bem mais rápida, mas o jogador nem nota, porque agora já tá acostumado com o conceito. Surge aqui, também, o Enguarde, o peixe espada. Agora o jogador já sabe que, ao encontrar uma caixa, deve haver um animal lá dentro. É óbvio o que fazer.

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Nesse ponto, já ficou claro que cada fase introduz uma mecânica nova. O que eu acho genial é que literalmente o jogo inteiro é assim. A quinta fase introduz a Rattly (uma cobra), e, no exato momento em que o A é preciso, novamente surgem bananas formando essa letra, como que avisando ao jogador o que se deve fazer. Aqui também surge a abelha amarela, próxima de uma caixa, e impedindo a passagem a um cacho de bananas (sugerindo que esse tipo de abelha talvez se possa matar); e, quando a cigarra surge, logo depois, têm algumas bananas sobre ela, basicamente pedindo ao jogador que se jogue sobre ela.

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Aí vem o chefão, o jogador vence, surge o mapa do mundo, e o jogador vai pra segunda área, Crocodile Cauldron, onde as fases têm um tema bem diferente. Novamente, novas idéias. Primeiro, surgem cabeças verdes de crocodilo no chão, sobre que o jogador tem que pular. Mas daí, vêm as marroms, que são molas…

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Entre a introdução de um e de outro surge um novo inimigo: um inimigo que só se pode matar pulando em cima (usar Y nele não funciona)…

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E logo vem mais um amigo: a Squitter (a aranha), acompanhada ambos da letra Y (que ataca), e da letra A (que cria uma teia sobre a qual é possível caminhar).

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Na próxima fase, barris que só podem ser pegos ou pela Dixie ou pelo Diddy:

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E barris de TNT, que quando explodem têm um certo range de dano:

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E um inimigo que atira barris. Olha só que genial: tem um barril DK (desses que tem os macacos dentro) lá no alto, e o inimigo que atira barris atirando barris logo embaixo, sugerindo que seja possível pular em cima dos barris pra pegar o macaco!

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E, mais pra frente, um novo “abutre” inimigo:

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O louco é que, depois que uma certa mecânica é introduzida, ela pode aparecer denovo em outras fases. É o que ocorre na próxima fase, Lava Lagoon, que é como a primeira fase da água, só que com um twist: a água agora é lava, e as próprias bananas indicam ao jogador que ele provavelmente pular sobre a foca pra tornar a lava água denovo.

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Uma coisa que eu acho demais é como as novas mecânicas sempre são introduzidas num lugar “fácil”, e depois aparecem denovo em momentos mais difíceis. Na primeira vez que a foca aparece, o jogador tem todo o tempo do mundo pra decidir pular sobre a foca ou não. Mas quando ele entra na água, fica claro que ele deveria correr pra chegar ao outro lado antes que a água vire lava denovo. Nessa fase também surge um novo inimigo: um peixe que infla. Somente mais pra frente, na fase do peixe luz (no terceiro “mundo”), é que esse peixe muda de mecânica e explode (infla demais), soltando espinhos dos quais o jogador tem que desviar.

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Aí vem uma das minhas fases favoritas desse jogo: Red-Hot Ride. A nova mecânica é muito simples: a lava libera vapor, e o jogador tem que subir sobre uns balões que flutuam e sobem sempre que encontram esses vapores:

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Logo antes, porém, o jogo introduz um inimigo diferente. Já na primeira fase existia um jacaré que ficava dentro de um barril. Agora o jogo varia essa mecânica criando um novo inimigo trombadinha igual àquele, mas que, quando pecha no jogador, remove um cacho de bananas dele. Essa idéia vai ser reutilizada por todo o jogo: mais pra frente surge um jacaré dentro de um barril de TNT (que causa dano quando tromba no jogador) e, bem no fim do jogo, um que rouba vidas!).

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Aliás, o DK dessa fase tá num lugar muito bem pensado. O jogador tem que chegar no seguinte lugar segurando um barril, pra poder atirar na abelha de cima (e aí subir no outro balão e jogar o outro macaquinho pra cima):

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Mas logo antes o jogo põe umas mariposas vindo contra o balão do jogador, de forma que pular em cima da mariposa o faria perder o barril. Ou seja, o jogador tem que vir com o balão meio baixo, ou a mariposa o fará perder o barril………. mas não muito baixo: tem um outra mariposa passando por baixo, apresentando o mesmo tipo de perigo.

Próxima fase… e duas novas mecânicas surgem já no começo do jogo. Primeiro, um novo inimigo:

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Segundo, um barril “canhão” que fica girando e espera até que o jogador aperte B pra atirar na direção em que ele estiver no momento. (agora que eu to escrevendo isso eu fiquei pensando: é inacreditável que essa mecânica, tão tão comum nesse jogo, só tenha aparecido pela primeira vez aqui, já no fim do segundo mundo! Até voltei no jogo pra ver se encontrava esse tipo de barril e não consegui encontrar nada =O)

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E, mais pro meio da fase, o papagaio Squawks (o nome da fase é justamente Squawks Shaft – o que poderia ser interpretado de forma bem maliciosa em inglês :v). E, claro, como era de se esperar, veio junto com a letra Y formada em bananas, indicando ao jogador o que fazer.

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Termina-se o segundo mundo, e, bom, fase nova, mecânica nova. Já no começo, num lugar seguro onde o jogador possa aprender a mecânica sem medo de morrer, ele encontra um barril canhão que fica girando com um número de segundos. Se o número chega a zero, o canhão atira por si próprio.

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Logo surge também um novo inimigo: um fantasma que atira caixas de madeira (ou às vezes outras coisas, dependendo da situação)

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Uma coisa que eu acho muito louca dessa fase é que, em certo momento, o jogo queria que o jogador não fosse capaz de voltar mais, se passasse de uma certa parte da fase. O que eles fizeram, puseram barris nessa configuração, onde o barril da direita te atira bem forte pra direita, mas o da esquerda te permite fazer aquela “voltinha” ali que as bananas estão indicando:

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Bom… o jogo continua, introduzindo uma nova idéia em cada fase. Eu nunca tinha jogado esse jogo com essa perspectiva, e to achando demais como isso permanece ocorrendo em literalmente cada fase nova. Essa “nova” perspectiva me fez perceber a quantidade imensa de trabalho que os desenvolvedores puseram em cada detalhezinho desse jogo. Eu poderia continuar comentando cada fase…

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Daí vem a primeira fase da “colmeira”, e depois vem o parque de diversões, com carrinhos, e daí vem a corrida com a abelha que será o chefão do quarto mundo, e aí vem o mundo dos fantasmas, com cordas que desaparecem, e a fase com vento, e a fase que tem o papagaio roxo, que não sobe (o nome da fase é “Parrot-chute panic”, um trocadilho entre papagaio e paraquedas em inglês). E a fase da aranha (em que o novo inimigo com espadas, que agora levanta as espadas imediatamente do chão na primeira vez que te ataca, é introduzido; e também um jacaré pulante novo, que espera até o jogador chegar perto; e em que não tu te transforma em aranha e passa boa parte da fase sem chão. E assim por diante.

Enfim… que jogo!