Retrospectiva 2020 (parte 2) -- Alinhamento automático aos EUA
17 Jan 2021(Lembrete: como discutido início da parte 1, essa postagem se restringe a usar como fonte mídias bolsonaristas)
Quando o ano de 2020 começou, o Brasil já não vinha com uma ótima imagem internacional. No ano de 2019, algumas cagadas já vinham deteriorando a imagem brasileira perante o mundo. Algumas delas tinham sido:
- O Brasil se comprometeu em mudar a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. Em Janeiro de 2020, o Bolsonaro inclusive confirmou o compromisso em uma viagem à Índia. É claro, isso enfureceu os países árabes, que compram a nossa carne, mas não são muito claras pra mim quais as conseqüências que isso pode ter no longo prazo.
- O Brasil teve
um aumento de 45% nas queimadas da Amazônia, e em 2020 isso se converteu
nas piores queimadas na Amazônia desde 2010.
O Bolsonaro, na época, acusou ONGs de serem as causadoras do incêndio,
e de serem financiadas pelo Leonardo Dicaprio!.
Quando o G7 (um grupo de sete países “ricos”) ofereceu dinheiro para
ajudar contra o fogo, o Bolsonaro
tretou com o Macron.
Isso tudo (e um conjunto de coisas sobre que eu vou falar na próxima
postagem) levou o parlamento europeu em 2020 a concluir que o
Brasil vai contra o Acordo de Paris. Eventualmente, o parlamento europeu
reprovou o acordo entre a União Européia e o Mercosul,
que tinha tudo pra trazer um monte de investimento extrangeiro pro
Brasil.
- Eu tenho que fazer umas ressalvas aqui. É verdade que o Macron tinha/tem interesse político em criar uma imagem ruim do Brasil (que compete na produção agrícola com o Brasil); é verdade que as queimadas no Brasil são em parte um fenômeno natural (o que não explica porém por que elas aumentaram MUITO desde o início do governo Bolsonaro); e é verdade que o Brasil tem muito mais área preservada que a França (ou a Europa como um todo). Nada disso muda o fato de que o governo lidou MUITO MAL com as críticas.
- O Brasil apoiou um golpe na Bolívia em novembro de 2019. O Evo Morales tinha um mandato que deveria ser cumprido até Janeiro; mas acabou sendo deposto e substituído pela presidente interina Jeanine Añez. Em 2020 houve eleições denovo e (vejam só) ganhou o Luis Arce, do partido do Evo ganhou!1
- O Bolsonaro disse que a Argentina “votou mal” e criou um climão com os hermanos depois que o Alberto Fernández da Argentina foi eleito. O Bolsonaro nem foi à posse do presidente do nosso maior aliado regional, e o Fernández não foi a um encontro do Mercosul no fim de 2019 por não ter “clima”.
- Pra mostrar o alinhamento automático do Brasil aos EUA, o Brasil votou a favor do embargo contra Cuba, numa votação em que 187 dos 193 países da ONU votaram contra (somente Brasil, Israel e EUA votaram a favor, e outros 3 países não votaram).
Como dá pra ver nos pontos acima, a imagem que o Brasil tem no cenário internacional pode ter reflexos econômicos: as queimadas fizeram com que a Europa não quisesse saber do Mercosul; a mudança da embaixada em Israel poderia fazer com que os árabes não mais quisessem tanto comércio com o Brasil, e até mesmo os nossos vizinhos poderiam, por exemplo, fechar as fronteiras e implementar medidas mais protecionistas se o Brasil começasse a apoiar golpes de Estado como o da Bolívia ou interferir na política Argentina. De fato, o próprio governo Bolsonaro já fantasiou por vezes deixar o Mercosul, o que seria um desastre sem tamanho.
Esse desastre pode não ter acontecido; mas um conjunto de desastres vêm acontecendo desde 2019. O Brasil perdeu o lugar que tinha no “cenário mundial”. Se antes todo mundo pensava no Brasil como um país “bom”, essa impressão não é mais verdade com o governo Bolsonaro. Antes as nossas políticas externas faziam pelo menos algum sentido. Por exemplo, importar médicos de Cuba pelo menos era barato, e colocava médico nas grotas, onde ninguém quer morar, ainda que contribua com um regime bosta (o Cubano). No pior caso, se Cuba fizesse alguma merda, a gente podia pelo menos dar nacionalidade brasileira pro médico cubano e deixá-lo ficar, já que é mão de obra boa e necessária 2. Mas agora, no governo Bolsonaro, parece que a ideologia é outra. A ideologia é “ser amiguinho” (ou, pior, ser capacho) de Estados Unidos. Nos parágrafos a seguir, eu vou dar uma passada em algumas das tolices que o Brasil fez esse ano. Note-se que a maior parte do que eu descrevi nos parágrafos acima também é fruto desse “alinhamento automático” (como alguns canais de notícia gostam de dizer) aos Estados Unidos. Pelos EUA, a gente comprou briga com a União Européia, com a China, com os árabes, e até com os nossos vizinhos. É uma ideologia muito estranha. Eu não me surpreenderia se em anos vindouros descobrissem que o Bolsonaro, sei lá, é na verdade um agente duplo da CIA ou coisa parecida.
Eu começo com algo de que se falou pouco, mas que eu acho interessante. (Mas tenho que dizer que eu não entendo bem as conseqüencias disso.) Ocorreu já no início do ano de 2020, em janeiro: o Brasil deixou a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), um organismo internacional do qual participam hoje 32 países. Uma das “idéias” da CELAC é juntar os países latinos contra o imperialismo externo (leia-se, estadunidense). Assim, deixar a CELAC me parece similar à decisão brasileira (em 2019) de deixar o seu status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio: i.e., uma decisão “em prol dos EUA”, com a expectativa de que os EUA (ou, na real, o Trump – que o Bolsonaro insiste em acreditar que é seu amigo) nos dêem alguma coisa em troca, num futuro distante, sem muito compromisso.3
Quando a COVID começou, o governo brasileiro resolveu fechar as fronteiras com um monte de países onde o vírus tava rolando solto. Ainda assim, porque o Bolsonaro gosta de ser capacho do Trump, a gente não fechou as fronteiras com os EUA! Na época, os EUA já eram o quinto país com o maior número de casos!.
(Na internet eu achei a visualização abaixo do número de casos de COVID por dia. Eu tentei dar uma comparada dos nnúmeros dela com os números do Worldometer, que é onde eu normalmente acompanho os casos, e ela pareceu certa, mas eu não consigo garantir muitos detalhes. De qualquer forma, dá pra ver ali como no dia 20/03 os EUA tinham já ~21mil casos, e uma semana depois, no dia 27/03, esse número já tinha subido pra ~110mil casos!)
Não sei se dá pra lembrar, mas, naquele tempo, tudo acontecia muito rápido: em questão de duas semanas, países que tinham pouquíssimos casos subiam às primeiras posições nos rankings. O Brasil deixou as fronteiras abertas com os EUA até o dia 27/03, quando os EUA cruzaram os 100mil casos! Naquela hora já era tarde: se o objetivo de fechar fronteira era impedir gente infectada de entrar, agora já não dava mais.
É legal notar como os sacrifícios brasileiros em prol dos EUA não trouxeram nada de bom pro Brasil4. Quando o Brasil virou um dos epicentros da pandemia, em Maio, os EUA simplesmente anunciaram que não queria brasileiro nenhum entrando no país. Note-se: eles não fecharam as fronteiras com TODOS os países, como a gente tinha feito antes. Ele fecharam as fronteiras especificamente com o Brasil. Eles não queriam brasileiro entrando no país ¬¬
Mas o alinhamento automático do Brasil com os EUA não foi desgastado por esse tipo de coisa. No mês seguinte, o Bolsonaro anunciou, quase como um fantoche, que seguiria o Trump e deixaria a OMS logo. Até agora, o Bolsonaro não cumpriu essa promessa. Com o Trump fora do jogo, a minha torcida é que ele não a cumpra: deixar a OMS seria um puta tiro no pé =/
No final de 2019 o Trump tinha aumentado impostos sobre o aço brasileiro e argentino, com o argumento de que a gente tava “desvalorizando artificialmente” a nossa moeda (sério?). Isso já era uma puta facada no Brasil; mas daí em Outubro de 2020, quando o Brasil tava na merda e o dólar tinha subido pra mais de cinco reais, o Trump denovo impôs novas restrições sobre o nosso aço. O governo brasileiro, em vez de tentar impedir, ou retaliar, ou fazer qualquer coisa com um mínimo de dignidade, respondeu com a seguinte declaração, que deixa bem claro qual é o compromisso do governo brasileiro atual:
“O governo brasileiro mantém a firme expectativa de que a recuperação do setor siderúrgico dos EUA, o diálogo franco e construtivo na matéria, a ser retomado em dezembro próximo, e a excepcional qualidade das relações bilaterais permitirão o pleno restabelecimento e mesmo a elevação dos níveis de comércio de aço semiacabado. Essa perspectiva coaduna-se com os atuais esforços conjuntos de integração ainda maior das economias dos dois países”
Deu pra sentir o papel de capacho que a gente tá fazendo? O vídeo abaixo mostra como os Estados Unidos (a Saori Kido) tão tratando o Brasil (o Jabu de Unicórnio), e como o Brasil compra briga com quem quer se atreva a se defender (o Seiya de Pégaso):
Enfim… o fim do ano foi marcado pela demora do Bolsonaro em dar parabéns ao Joe Biden pela sua eleição. É claro, isso ocorreu porque o Bolsonaro insistiu em se intrometer na política interna dos EUA e acreditar (e falar abertamente) que as eleições estadunidenses foram fraudadas. E ainda ameaçou o governo Biden com a frase mais lamentável do mandato: “Depois que acabar a saliva, tem que ter pólvora”.
Haja incompetência!
Notas de rodapé
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O que eu queria ressaltar é que o Bolsonaro não foi na posse; mas não consegui achar essa informação nas mídias bolsonarista (a que eu to me restringindo aqui nessa postagem). ↩
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Por outro lado, o PT levou o Brasil a tomar um calote fenomenal da Venezuela sem explicação nenhuma. Ou seja, algumas coisas são sim difíceis de entender. ↩
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O objetivo era que o Trump endossasse a entrada do Brasil na OCDE. Ele demorou, e todo mundo já tava desacreditado de que isso ocorreria; mas em Janeiro de 2020 ele finalmente o fez. Isso significa que o Brasil tá na OCDE? Não. E com o Trump fora do cargo, esse “endosso” vai embora com ele. (mas isso tudo é complicado: pra que serve “estar na OCDE” afinal?) ↩
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Eu vou deixar esse link de 2019 do próprio R7 (um canal pró-Bolsonaro) sobre o quão bizarras essas concessões aos EUA são. ↩